4.11.08

Ontem eu estava zapeando notícias no meu google reader e percebi que, mesmo com a eleição americana pegando fogo, a crise financeira mundial bombando e o mundo caindo aos pedaços, todas as notícias que eu tinha separado para ler eram - sob um determinado ponto de vista - inúteis.
Tratavam de curiosidades ou de assuntos paralelos a estes grandes temas. Nenhuma delas tinha qualquer relação com os medos que afligem a sociedade atualmente, nem falava de rumos da economia ou política.
Eu me dei conta disto no exato momento em que cliquei numa reportagem cuja manchete era algo do tipo “garota de 13 anos morre apedrejada na Somália após denunciar estupro”.
Tudo bem, eu vou ter que concordar com quem quer que diga que ler esta notícia foi o último de uma grande sucessão de erros. Obviamente, o primeiro erro foi a morte da menina. Não, não. Foi ela ter sido estuprada. Não, definitivamente o primeiro erro da cadeia foi algum doente ter pensado em fazer sexo com uma menina de 13 anos contra a vontade dela.
E vai ladeira abaixo a partir daí: o sexo forçado, (me recuso a dizer que a denúncia por parte dela foi um erro), o casamento forçado, a acusação de adultério, a morte por apedrejamento na frente de 1000 pessoas que assistiam a tudo num estádio de futebol. Mas não pára. Tem ainda a repercussão internacional com a mobilização a posteriori de entidades de direitos humanos, a publicação destes fatos num jornal que eu leio (eu sei que se pá eles têm o dever de publicar, mas eu não ligo de dizer que isso foi um erro, ou pelo menos o modo pouco humano como se tratou da questão) e, por fim, eu ter escolhido esta notícia para ler.
Eu sei que estou me arriscando em terreno perigoso. Se pá, na Somália, quem ainda não deu aos 13 já está velha e virou uma árvore seca. Não tenho como saber. Ainda assim, tenho a impressão de que ser acusada de adultério e ser apedrejada em público não é legal (no sentido de bacana, não no sentido de “condizente com a legalidade”) em lugar nenhum do mundo.
Daí eu me revoltei. Confesso que não foi uma revoltooona, mesmo porque eu acabei me distraindo com outros pensamentos e tarefas ontem, quando deveria de fato ter escrito sobre isso. (Quero dizer que se isto estivesse me atormentando muito, eu não teria esquecido.)
Ocorre que, quando você não está se sentindo a melhor das pessoas (Felipe Massa, laranjas, braço doendo e todo o resto), a menina morrer na Somália pode vir a te ferrar.
E me ferra, porque, apesar de eu ter escolhido o direito por pensar que podia fazer alguma diferença e corrigir certos desvios, eu estou aqui no confortinho da minha cama e a menina virou poeira cósmica.
Manipulada pela mídia? Muito provavelmente. Eu vivo sendo manipulada pela mídia. Outro dia eu me rachei de rir quando descobri que o pai da Eloá era um bandido foragido e a mãe dela seqüestrou aquele irmão mais velho dela lá para fugir para São Paulo e viver essa vida honesta e sincera que eles levavam até outro dia, quando o Lindemberg (“maior vilão” da história) resolveu surtar. O pai do moleque está há anos em Maceió lamentando a perda do filho, mas não tinha coragem de ir à polícia, por quê? Porque o pai da Eloá é bandidão, mano! Com medo!
Eu sei que ninguém merece ficar vendo a filha ser maltratada e depois morta por um louco, nem estou tirando os méritos do Lindemberg (sim, sacana, sim, louco, sim cuzão) mas vamo combiná: a galera ali muito não é flor que se cheire. E foi essa família de criminosos que mexeu com os sentimentos do Brasil, fez com que algumas pessoas (desocupadas, mas nem por isso menos seres humanos) saíssem das suas casas para chorar em frente às câmeras da TV e dizer que “perder a Eloá é como perder uma filha” e que mobilizou 30.000 indivíduos para acompanhar o féretro da menina.
Essa historinha que eu contei me permite chegar a duas conclusões básicas: 1. O fato de eu ter conseguido rir demonstra que eu não sou assim tããão manipulada pela mídia; 2. A mídia faz o que quiser com a cabeça da massa.
Eu sei, eu sei. Clichezão. Mas eu ainda não estou tão boa assim de escrever, quem sabe com a prática melhora.
E a verdade é que a melhor vertente para desenvolver esse texto seria falar sobre como acontecimentos semelhantes a este da Eloá despertam os mais variados e intensos sentimentos em pessoas que sequer a conheceram, e o porquê disso.
O problema é que para falar disso aí precisa de (i) tempo; (ii) coragem e (iii) conhecimento. Não tenho nenhum dos três, mas prometo que assim que eu conseguir a coragem, eu escrevo, nem que seja para dizer bobagem.
Mas o meu ponto, lá atrás, antes de eu me perder em devaneios, era: para a menina da Somália, de que adianta eu fazer direito?

2 comments:

Unknown said...

Nuóóó.. ngm mais segura essas sinapses.
bjosmeliga!

Unknown said...

Meu, eu q sempre tô envolvido em mil atividades ao mesmo tempo posso garantir q ficar TOTALMENTE alienado aos principais problemas globais é um dos melhores sentimentos do mundo....huauhahua
Ficar lendo essas notícias só cria desespero, angústia, desgasta e a gente não pode fazer ABSOLUTAMENTE nada....
Só acompanho notícias econômicas pra investir direito na bolsa e ficar atualizado pra entrevistas de emprego, sei lá, mas por mim acho q ficava totalmente alienado gastando meu tempo e esforço com os problemas da minha vida, q já são mtos! huahua

Sobre a Eloá, q vc me contou a maior parte dos fatos q sei huahua, não concordo com a conclusão "E foi essa família de criminosos que mexeu com os sentimentos do Brasil".

Bjs!