16.6.09

por inteiro

Hoje, voltando para casa, no metrô, tinha uma senhora gorda dormindo no banco à minha frente. Dormindo e babando, com a boca aberta, as sacolas balançando com o movimento do vagão.
E eu, cansada como estava do meu dia, de tudo o que eu tenho que pensar e resolver, olhei para ela e fiquei pensando que, ainda que descansar fosse tudo o que eu precisava, não dava para ser ali, no metrô. Não com as pernas escancaradas, bolsa largada na cadeira ao lado, sendo jogada para lá e para cá.
Impossível, porém, negar que admirei a capacidade da mulher de se entregar ao sono daquele jeito.
Isso me fez lembrar de um trecho do filme do Peter Pan em que o próprio, personagem principal, explica para a Wendy que as fadas são seres tão pequenininhos que nelas só cabe um sentimento de cada vez. E era por isso que a Sininho às vezes era tão raivosa e logo depois ficava tão doce e aí se sacudia inteira, estressada, para em seguida virar o paradigma do zen.
Eu, então, comparando a gorda enorme e babenta com a fada tão pequena e na moda, achei incrível que a primeira, toda ela, pudesse ser toda sono, da mesma forma que a segunda o seria, a ponto de dormir no metrô daquela maneira - como se nada mais importasse.
Ao lado disto, veio a constatação de que eu, embora menor do que uma e maior do que outra, nunca sou por inteiro uma coisa só. Não dá para eu me concentrar tanto numa emoção a ponto de esquecer do resto. Daí, refletindo a respeito, eu não consegui achar isso ruim, mesmo porque, embora eu não seja uma coisa só o tempo todo, certos sentimentos são constantes.
Tem gente que eu amo sempre, por mais que esteja com raiva. Tem coisas que eu odeio o tempo todo, ainda que às vezes eu tenha que fazer com um sorriso no rosto. E eu estou sempre chacoalhando o pé, mesmo que não saiba o porquê de estar agitada.
Mas, a despeito disto, e de eu já ter dormido em muito metrô por esse mundão afora (Carol que o diga, e provavelmente ela dirá), devo insistir neste que considero ser o ponto mais importante deste post: me deu muita inveja de todo aquele desprendimento!

2.6.09

sobre a teimosia

Hoje eu estava andando distraidamente debaixo da marquise de um prédio quando vi que havia uma poça d’água no chão. Olhei para cima e, neste exato instante, caiu do teto uma gota d’água justamente naquele acúmulo indesejado de líquido na calçada, explicando a sua existência.
Estando eu a alguns passos de distância de todo o fenômeno, decidi mudar o meu curso ligeiramente para a direita, tomando, porém, o cuidado de (i) manter o ritmo dos meus passos e (ii) observar o comportamento do complexo goteira-poça com a minha visão periférica.
Passei bem do ladinho da coisa toda, e nada aconteceu. Mas eu seria capaz de ir até o inferno afirmando que se eu não tivesse desviado, o raio da gota teria caído em mim.
Daí se tira uma importante lição: gotas d’água que caem de goteiras são entes dos mais traiçoeiros que existem. Assim, teimosia é não querer aceitar que, na grande divisão dicotômica maniqueísta do mundo, elas devem ser consideradas “do mal”, a despeito do nosso profundo pesar.