25.12.08

brega, mas de coração

Nessas de rever algumas das minhas posturas desde que eu comecei a escrever por aqui, eu percebi que só contestar tudo, apontando o que cada coisa tem de ruim, apenas, pode ser considerado meio infantil. Não queremos isto.
Esta idéia se aplica ao natal. Embora eu tenha passado os últimos dias malhando a data e tudo o que está a ela, direta ou indiretamente, relacionado, muito irritada que fiquei com o fato de eu levar uma hora e meia para cruzar a Av. Paulista de carro, por conta do raio do circuito das luzes que está rolando por lá, devo admitir que o natal tem aspectos positivos, sobre os quais eu passo a discorrer - já que eu não sou mais criança e posso reconhecer que há um lado bom mesmo naquilo que eu não gosto.
Eu gosto muito de comer. Talvez mais até do que de comer, eu gosto de beliscar a comida quando ela ainda é proibida. E o natal é um prato cheio (quasi literalmente) para isso. Afinal, fica lá o tender, o chester, o sushi, a farofa, a maionese, as compotas, as carnes, tudinho ali. E é aí que se liberta a artista que habita dentro de mim, arquitetando como eu vou fazer para conseguir tirar pedaços de tudo sem que ninguém perceba.
Outro bom aspecto dos natais em geral é aquela sensação de legitimidade em ser inútil. No natal, eu não preciso trabalhar, nem estudar, nem mesmo ler o livro que eu esteja lendo. Posso, por um dia, ser aquele tipo de pessoa que eu critico e digo que não quero ser nunca nessa vida.
Mas hoje teve uma coisa especial no natal: choveu muito. Não aquela chuva de verão que a gente tem visto nos últimos dias, mas uma tempestade mesmo, chuva de protesto. Contra as pessoas que param o trânsito na Paulista, contra quem resolve praticar boas ações SÓ no dia do natal, contra aquelas luzes todas que formam o circuito, contra todo mundo que comemora sem nem saber direito o que significa, sem nem se importar. Balde de água proveniente do céu em todos eles.
E eu, aqui, curtindo. Desde a hora que começou a chover, eu gostei muito disso. Abri a porta da sacada e a janela do meu quarto. Entrou água lá dentro e molhou a minha cama e as almofadas, mas eu nem liguei. A chuva me deixou muito feliz.
Então, dentro da idéia de não aderir a convenções sociais que não tenham sentido para mim, eu penso que vir até aqui, a esta altura, desejar feliz natal, seria, para se dizer o mínimo, incoerente.
Só que eu estou tão alegre que resolvi tentar. Acompanhem (e, por favor, se esforcem, se necessário for).
Choveu muito em Santa Catarina nos últimos tempos. Isto causou estragos, matou pessoas, deixou outras tantas doentes e desabrigou famílias inteiras. Esta é a mesma chuva que, todos os anos, em janeiro, causa em São Paulo enchentes cujas magnitudes são tão expressivas que chegam a ser noticiadas internacionalmente. Também é a mesma que faz falta no Nordeste, que faz com que a terra seja difícil de cultivar e que mata gente de sede e de fome por lá. Há muitos motivos para que não se goste de temporais como o de hoje.
Mas, só um pouquinho, só durante o tempo de leitura deste post, esquece disso. Deixa de lado os males que o excesso ou a falta de chuva podem causar. Pensa naquele vento geladinho que alivia o calor bizarro do verão, no barulho de carros deslizando na água, na vontade que dá de respirar bem fundo o ar úmido.
Lembra de como é divertido quando chove e você está de bom humor, seja jogando bola ou correndo para se molhar mesmo, como eu e a Má fazíamos na época de tardes no prédio do Bel.
Pensa também em como é gostoso quando você acorda no meio da noite, ouve o barulho da chuva lá fora e se aconchega fundo nas suas cobertas, se sentindo incrivelmente mais protegido do que estava antes.
Pensa em como é bom ter botas e guarda-chuva enquanto todo mundo se enganou com o sol matinal e saiu de casa totalmente despreparado.
Pensa, ainda, em como é gostoso ver um filme boboca quando o mundo está despencando, e na vontade que dá de tomar chocolate quente quando isto acontece.
Daí, partindo-se da premissa de que é natal mesmo, não dá para fugir... e, só um pouquinho... só durante o tempo de leitura deste post... se você se concentrou mesmo... talvez, agora, quando eu te desejar feliz natal, isso realmente faça algum sentido para você.
Feliz natal.

(A breguice vem com a época do ano, e eu nada pude fazer para evitá-la, inobstante todos os meus esforços)

22.12.08

por enquanto

Eu andei meio ausente daqui, e isso tem me incomodado um pouco. Mas eu tenho uma boa explicação: essa semana, lendo o livro do Cortázar que eu ganhei, eu vi que ele escreveu sobre um tema que eu já tinha postado, só que muito, infinitamente melhor do que eu.
E é a segunda vez que isso acontece, o que me deixou muito revoltada (a outra vez foi com o Ivan Lessa). Lógico que eu sei que eu não estou nem perto de sequer poder me comparar a nenhum dos dois - e isso não é falsa modéstia, lembrem-se que este é um blog que não respeita as convenções sociais desnecessárias - mas desincentiva, porque, poxa, eu tava dando tudo de si!
De todo modo, hoje eu estava aqui pensando e, a despeito de eu não gostar de usar este meio para falar de mim, não vou ter como escapar, já que decidi escrever, rasamente e sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto, sobre amizade.
Na verdade, mais especificamente sobre a idéia do “melhor amigo”. Andei aqui refletindo que, ao longo destes 22 anos de minha existência na Terra, eu já chamei mais de uma pessoa de minha melhor amiga (amiga concordando com pessoa, ok?), mas acho que isso meio que contraria o próprio conceito tal como o concebemos, não?
Digo isso porque, quando eu era mais nova, eu tinha aquela ilusão ingênua de que eu ia encontrar uma pessoa que fosse uma espécie de minha cara-metade da amizade: que me escutasse, me entendesse, me apoiasse sem reservas, que dissesse o quanto eu sou legal e estou sempre certa, que me achasse linda e não visse defeito algum em mim.
Guess what? Noooot!
Ocorreu que, à medida que o tempo foi passando, eu percebi que, mesmo se o indivíduo acima descrito existisse, eu não ia querer estar perto dele, porque haveria de ser realmente muito chato.
Então, o meu conceito de melhor amigo mudou, com o quê eu me sinto verdadeiramente feliz, porque eu posso encaixar a maioria da gente não-família com quem eu convivo nele.
Finalmente eu estou num ponto da minha vida em que eu não preciso conviver com ninguém que me desagrade, já que eu deixei estas minhas amarras nalgum lugar no começo desse ano, e, francamente, ando melhor sem elas.
Voltando, acho que o amigo deve ser considerado “melhor” não pelo que ele faz por mim, mas pelo que ele é, no sentido de “mais bom”, ou melhor do que eu, detentor de qualidades que faltam em mim, mas que são indispensáveis para o muuundo.
Não vos enganeis. Nenhum amigo meu é super bom samaritano, mas cada um tem em si algo que me falta, alguma(s) característica(s) em que se destaca.
E, se teve uma coisa boa de ter ficado mais velha (não teve, mas atitude positiva é tudo nessa vida) foi que eu consegui enxergar que estas qualidades não tornam as pessoas perfeitas, mas sim seres humanos cuja convivência me é quase que vital, por quem eu nutro profundos respeito, admiração e agradecimento.
Deve ser por isso que eu não estou com medo de ir para a Europa, porque as minhas relações também amadureceram desde a época em que eu tinha aquela idéia xarope de melhor amigo. Agora eu sei que posso passar dois meses fora, que quando eu voltar (ressalvadas as merdas que sempre podem acontecer no caminho), eles estarão aí.
Dentro ainda do mesmo assunto, correndo o risco plenamente aceitável que a idade me permite, tem o aspecto da duração da melhor amizade. Outro dia eu estava fazendo chantagem com a Camila, porque eu queria que ela viesse com o pai dela me dar carona até em casa, e ela estava com preguiça. Daí eu perguntei: “mas Mimi... e o amor?”, a que ela prontamente respondeu: “o amor... está para sempre guardado no coração”.
Isto me levou a pensar a respeito da história do para sempre. Creio poder afirmar com alguma certeza que eu deixei bem clara a minha resistência à eternidade alguns posts atrás.
Só que hoje me veio na cabeça, ainda como um pensamento bem imaturo, que pode ser que o Renato Russo tenha se enganado ao afirmar que “o pra sempre sempre acaba”.
Começou dia desses, com a Má me falando que, quando ouvia a música que nomeia o post, sempre pensava em mim (e a recíproca é verdadeira). A causa imediata disto é o fato de ela ter me dado uma camiseta uma vez que tem estampada a frase “quando penso em alguém, só penso em você”, e a causa mediata, obviamente, são anos de história.
E a nossa convivência intensiva dos últimos dias, aliada a mil outros fatores, como o retorno de outros amigos para a minha vida e a surpreendente capacidade de me manter perto de quem está muito longe, verificada nos últimos meses, me fez entender que não é que o para sempre acaba.
É que, às vezes, as pessoas se afastam, te deixando com a nítida sensação de que acabou. Mas se pá tem uns “para sempres” que - ainda bem - são para sempre mesmo. Eles só estão te enganandinho, querendo te passar a perna.
Pobre Renato Russo, não viveu tempo o suficiente para ver isso, ou não tinha os amigos que eu tenho.
Ah, estava quase esquecendo... do ponto de vista deste blog, convém mencionar, meus amigos são absolutamente indispensáveis. Eles me inspiram (ok, não é grande coisa, mas é tudo o que eu tenho para oferecer).
Tenho também que dizer que o Renato Russo não errou em tudo na música. Ele está certo quando diz que “estamos indo de volta para casa”. Nos últimos tempos, eu tenho sentido com muita intensidade que meus amigos são a minha casa que eu escolhi.
Assim, vou levar uma junto para dividir comigo a árdua tarefa de me aturar durante a viagem, mas deixo os outros amigos aqui, guardados para sempre no coração, porque, afinal, minha afilhada sabe das coisas.

14.12.08

wish you were here

Escutei essa música do Pink Floyd ontem de madrugada e ela me fez refletir. Acho que a maior crítica que nela está inserida sutilmente, entre solos de guitarra e muito boa melodia, diz respeito ao fato de que existem pessoas que, hipocritamente, acham que sabem o que é melhor para as demais, mas estão enganadas. O mais triste da história é que eu acho que me incluo nesta categoria, por mais que doa admitir.
Vou dar um exemplo complicado, mas que eu creio que explica bem a situação. Outro dia, a Carol contabilizou 32 mendigos dormindo na frente da faculdade, de um dos lados do portão principal. 32!
Aquilo nos revoltou, e passamos algum tempo conversando sobre como aquela miséria humana ali, escancarada nas nossas vistas, nos incomodava, o que poderia ser feito para que se operasse alguma mudança.
Também, o fato de aqueles mendigos estarem lá e de eu me indignar tanto me fez lembrar daquele filme “eu sou a lenda”, do Will Smith. O filme tem boas cenas e boas sacadas, mas no geral eu achei meio ruim, porque eu não gosto de filmes de zumbis.
Depois de meses que eu já tinha assistido no cinema, lançaram o DVD, acompanhado de um final alternativo para a história.
No roteiro que foi às telas, Will Smith, após descobrir a cura para a mutação genética que transforma seres humanos saudáveis em humanóides primitivos dotados apenas dos seus instintos básicos, diz para a Alice Braga qual é a solução e se mata para que ela e o menino que ela carrega consigo como se dela fosse possam sobreviver e espalhar a boa nova.
Neste outro final, ele percebe que, na verdade, todo o empenho incessante que ele tinha despendido para achar uma cura para aquele mal refletia uma preocupação só dele, não dos zumbis. Do ponto de vista destes, Will Smith era o diferente, ele era “o monstro”, eles não queriam ser curados.
Não vou nem tentar me justificar por ter comparado zumbis a mendigos, porque eu sempre fui meio politicamente incorreta mesmo.
Porém, o ponto é: sabendo-se que, estatisticamente, está comprovado que boa parte dos moradores de rua sofrem de doenças como esquizofrenia ou alcoolismo, que alguns têm casa, família e tinham empregos, até que ponto não serei eu o Will Smith ignorante por querer tirá-los desta realidade, à qual, bem ou mal, eles estão adaptados?
Óbvio que eu não estou querendo dizer que aquilo é legal, que eles gostam de morar na rua, serem maltradados, não terem as mínimas condições de higiene, não saberem quando ou se vão comer de novo. Mas a verdade é que eu vi esta situação a partir da minha perspectiva de jovem branca da classe média e, para mim, submeter-me a estas condições seria inaceitável. Para eles, claramente, não é.
Então me parece que simplesmente mandá-los para um abrigo da prefeitura, ou conversar com eles fazendo discursos do tipo “você não precisa estar nessa situação”, “vá arranjar um emprego”, “sua vida pode melhorar muito”, sem que eu tenha condições de efetivamente assegurar que estas promessas tenham a mínima possibilidade de se tornarem realidade, é só hipocrisia.
É uma solução paliativa, que só atende à minha própria necessidade. É “tell heaven from hell”, só que ao contrário (tell hell from heaven) pois eu não sei do que eles precisam, sei apenas de que remédio analgésico a minha consciência precisa: não vê-los (assim).
E eu tenho a impressão de que a crítica a esta hipocrisia prossegue na música, e na minha vida, na medida em que o cara questiona se a pessoa trocaria algumas coisas por outras, sabendo que ela não trocaria, da mesma forma que eu.
Outro exemplo: eu realmente acredito que ninguém merece viver na rua, sem ter onde tomar banho, comer, satisfazer suas necessidades fisiológicas, dormir, e exercer a sua intimidade. (É, também não entendi qual foi a de saírem tantos eufemismos.)
Só que, na real, se me dissessem que tem um jeito, qual seja, eu assumir o lugar de um deles, sendo que este escolhido passaria a levar uma existência digna, eu não iria. Porque eu não estou preparada para trocar “cold comfort for change”. E assim, eu me penitencio, porque acredito que se alguns não têm o mínimo, todos os demais deveriam se mobilizar de todas as formas para que eles tivessem, mas não estou pronta. Não para esta mudança, pelo menos.
No fim da música, ele fala que queria que a pessoa para quem ele canta estivesse com ele, a despeito de ter reconhecido nela o enorme defeito que eu apontei acima, e sabendo que eles dois não passam de almas perdidas nadando dentro de um aquário, de modo que não vão chegar a lugar algum.
Mesmo assim (ou justamente por isso, na interpretação da Má), ele repete: “wish you were here”, levando-nos à conclusão de que as pessoas precisam umas das outras porque precisam, independentemente dos defeitos que possam ter, apenas pelo conforto que a presença delas é capaz de trazer.
De qualquer forma obrigada, Pink Floyd, por me querer.

(ficou um pouco Legião Urbana demais... definitivamente, eu não devo escrever sobre problemas sociais, nem de Pink Floyd, mas... são 3h da manhã, e o que eu faço com essa vontade de gritar?)

9.12.08

eu tenho medo do infinito

Não sei exatamente quão covarde a pessoa se torna ao admitir uma coisa dessas, mas fato é que eu tenho medo do infinito.
Percebi isso semana passada, quando eu estava sobrecarregada com provas e problemas de toda ordem me assombrando. Numa tarde, depois de sair do escritório mais cedo para estudar para o dia seguinte, eu estava simplesmente tão desesperada que fiquei com vontade de entrar na catedral da Sé (que estava ali do lado) e pedir para alguém resolver tudo por mim.
Pensando a respeito deste meu surtinho, eu lembrei que existe um trecho de uma música em que o cara descreve a situação em que ele se encontra - desesperado, na chuva, que depois vira enchente - como um “accident of faith and nature”.
Ora, é fácil entender porque uma chuva destruidora, que arrase casas, plantações, pessoas, estradas e tudo o que vê pela frente, seja considerada um acidente da natureza.
Agora, para ser sincera, eu não tinha entendido o conceito de acidente da fé até me acontecer de eu querer entrar na igreja nesse dia aí que eu falei. Explico. Acho que todo mundo já passou por uma situação em que está tudo tão complicado que, mesmo não acreditando em Deus, ou em destino, ou na sorte, tudo o que se quer é que uma oração resolva.
Só que eu não entrei aquele dia, porque eu não acredito que exista alguém que possa resolver os problemas que eu criei, ou aqueles nos quais eu me meti, ou que vá gritar bem alto de cima de uma nuvem - de modo a que eu possa ouvir - as respostas da minha prova de direito tributário. Foi só um acidente, um ato falho, causado pelo meu desespero, pensar que as soluções poderiam vir fáceis assim.
É como a história do choro, n’A Cidade dos Anjos. Eu nem gosto desse filme (pronto, falei!), mas acho boa a idéia. Segundo o Nicholas Cage, a gente chora quando uma emoção que se sente não cabe no corpo, e esse é o nosso meio de extravasar, colocar para fora.
Foi assim com aqueles meus problemas. Se Deus existisse e fosse esse grande assistente social que muita gente espera, eu teria dado tudo o que me perturbava para ele resolver naquele momento.
Dentro desta linha, eu comecei a pensar que, obviamente, Deus não está aí para resolver as confusões em que a gente se mete, simplesmente porque, se fosse possível fazer com que Ele lidasse com isso ao invés de nós, o engenho humano já teria dado um jeito de operacionalizar a transmissão.
Depois, eu pensei que tem aquela história da vida eterna. A gente se ferra um pouco por aqui, mas, morrendo, a alma vai para o paraíso ou para o inferno, “viver” eternamente.
Talvez (a primeira conclusão a que chegará o caro leitor) eu tenha medo do infinito porque é mais provável que eu arda em chamas do que que eu desfrute da paz eterna ao lado do Senhor.
Porém, eu, aqui, na minha infinita arrogância, acho que não é só por isso não. Tem mais.
Isso de “para sempre” há de ser muito chato. Para que fosse divertido, dependeria da existência de infinitas formas de diversão, o que eu não sei se é possível. E da ausência de cansaço, fome, sono. Também não poderia haver suor nem quinas onde a gente batesse dedinhos ou canelas, porque esse é o tipo de coisa capaz de arruinar tudo, principalmente quando o tempo não conta.
Então eu cheguei à conclusão de que eu prefiro lidar com a minha própria finitude. Afinal, se pá esta vida contém espaço e tempo suficientes para eu plantar minhas idéias, cuidar dos meus amigos (no meu caso, ser cuidada por eles), abraçar o que for fofo, rir do que for engraçado, chorar bobamente, enfim... fazer tudo o que eu achar que preciso.
E, se eu estiver certa, então para que eu preciso de uma vida eterna? Para lembrar ou para ter mais do mesmo? Porque qualquer destas opções me desagrada, muitíssimo.
E acho que é por isso que eu não acredito em Deus. As propostas dEle são fracas para mim. Eu tenho um problema com a eternidade.

3.12.08

do porquê eu gosto de porcos

Outro dia, eu ouvi, um pouco em tom de crítica, que este blog às vezes é escrito em juridiquês. Acho que isso se justifica, porque eu faço direito e isso representa boa parte da minha vida e de quem eu sou.
Por isso, nada obstante a observação, resolvi trazer um conceito de Introdução ao Estudo do Direito lá do primeiro ano para explicar a história dos porcos.
Segundo o Tercio, o homem é “um feixe de papéis sociais”. Cada um de nós é, ao mesmo tempo, irmão, filho, sobrinho, neto, amigo, aluno, colega, e tantas outras posições sociais, em relação aos outros.
Óbvio que não dá para ser todas elas ao mesmo tempo, do ponto de vista de uma mesma pessoa. Então, segundo o Tercio, a soma destas posições sociais é o que te define. (Posso estar falando bobagem. Se eu estiver, não me corrijam porque eu preciso dessa premissa para firmar o meu ponto.)
E eu concordo com ele, em certa medida. A maioria das relações que a gente desenvolve em sociedade leva em conta somente um determinado aspecto da personalidade do outro.
Por exemplo, outro dia rolou um boato de que o Del Nero, nosso professor de direito civil, é alcoólatra, junkie, que ele sai dos bares carregado, que envergonha os filhos e tal. Além de altamente improvável, tendo em vista que o cara é a própria imagem do bonus paterfamilias, isso não me diz respeito, nem me interessa, absolutamente.
Para mim não importa se ele é alcoólatra, cocainômalo, ninfomaníaco. Ele é meu professor, e, como tal, ele é bom, apesar de sugar todas as minhas energias com as suas aulas intermináveis, que eu meio que parei de assistir. Se eu começasse a me relacionar com ele em outros níveis, sendo, digamos, amiga dele, eu teria que me preocupar com as bebedeiras. Mas eu não quero, e não preciso.
Ou então, tem uma menina na sala que tem nome de anjo e se veste muito mal. Gente, muito mal mesmo. Só que ela é só minha colega de classe e eu nem falo com ela. Se ela passasse a ser minha amiga, eu ia ter que parar para pensar se dava uma dicas para ela ou se não me importaria em ser vista ao seu lado. Do jeito que as coisas estão, porém, nada disso faz diferença.
O que eu estou querendo dizer é que é bom, quiçá ótimo, que seja assim. Até porque, nestes 22 anos, foram poucas as pessoas que eu me dei ao trabalho de conhecer a fundo, além dos papéis sociais que elas desempenhavam.
E, tirando aquelas cuja permanência não é opcional (tipo a minha mãe), a tendência tem sido elas saírem da minha vida depois disso. As que ficaram, foi na base de não pouca pancadaria. Muito amor, mas porrada também.
Não quero com isso defender o terrível ditado popular de que “a ignorância é uma bênção”, porque eu realmente não acho isso. Tenho para mim que, se a intenção for reduzir o problema a uma frase feita, a que mais se aplica é “a intimidade é uma merda”.
Agora, a mesma idéia serve para o problema dos porcos, tema deste post. Quem me conhece, já veio na minha casa, já passou pelo escritório ou já me viu mexendo na minha bolsa, sabe que eu adoro porquinhos.
E, em geral, quando eu falo disso, as pessoas perguntam: “mas por que porcos? Você sabe que eles fedem, né?”
Sim, eu sei que eles fedem, que eles chafurdam na lama - que muitas vezes contém resíduos dos seus próprios excretas -, que eles comem qualquer coisa (e imaginem o que não é “qualquer coisa” depois de todo o processo digestivo - e eles chafurdam nisso), que eles ficam do tamanho de monstros e daí não tem quem segure.
Eu sei. Mas não faz diferença, porque os meus são bonitinhos, fofinhos e quando eu os vejo ou os abraço, me dá uma sensação de paz e alegria interior que só eles trazem.
Bom, mas daí haverá quem novamente questione a escolha por porcos, já que ursos-ursos, ursos pandas, hipopótamos e vacas também são animais que, na vida real, não têm glamour algum e, quando são transformados em pelúcias ficam txutxucos.
Daí, a única explicação que eu tenho para dar é que os meus porquinhos são rosas.