22.6.10

dos sonhos, das flores, de como a cidade mudou

Há duas semanas, eu tive que ir a Jundiaí ver um processo. Na ida, quando eu consegui desligar minha cabeça da preocupação por estar acima da velocidade máxima permitida na rodovia sem carteira de motorista, eu vi que a estrada estava linda. É que ali nos morros que ladeiam a Bandeirantes tinha um monte dessas plantas que eu não sei o nome e chamaria de mato, uma espécie duma folhagem cor-de-rosa que, ao sol, num dia frio, com um pouco de otimismo, fazem a pessoa ficar feliz. Eu fiquei.
Então eu fui. Na volta, o sol estava se pondo, e poucas paisagens sabem ser bonitas como pôr-do-sol na estrada cor-de-rosa.
Nesse momento, por algum motivo, eu lembrei da minha comadre falando que não teria problema levar minha afilhada para assistir Avenida Q porque ela não entenderia. Pensei que ela poderia até não entender, mas nem por isso a peça deixava de ter mais palavrão do que eu própria considero tolerável - o que, para os mais desavisados, é uma marca bastante expressiva -, mais música do que o suportável até mesmo para um musical, e sexo entre fantoches. (A propósito, a resenha segundo a qual se trataria de um Muppet Show para adultos é mentirosa e irresponsável.)
Sim, quebrou o clima. Do post e do momento que eu estava vivendo, mas minha comadre de vez em quando aparece no meu cérebro em situações inoportunas e não há nada que eu possa fazer sobre isso.
O ponto foi que, em seguida, já novamente contaminada pelo calorzinho do sol poente, pela estrada bonita, pela música (sim, havia música), eu lembrei do Maurício - advogado e psicanalista - me falando que, quando ele induz alguém à regressão, o paciente nunca reporta algo que não consiga processar.
Quando tivemos essa conversa, o que ele me explicou foi, numa simplificação que beira a simploriedade, que a ideia da regressão é fazer com que a pessoa consiga atingir o ponto no qual o trauma psicológico que apresenta tenha sido gerado, revivendo o momento com a bagagem que ela possui atualmente, de modo a conseguir lidar com o problema de outra maneira, mais satisfatória.
Essa teoria, na minha concepção, padecia do problema óbvio que seria o fato de a pessoa reviver o trauma e, em razão disso, piorar, a respeito do quê indaguei meu multiprofissional interlocutor e ele respondeu com a construção acima. Em outras palavras, minha preocupação não poderia se concretizar na medida em que esse método apenas conduziria o paciente àquelas situações com as quais ele já teria condições de lidar, somente não saberia como acessar.
Longe de querer tecer comentários sobre a legitimidade da regressão (que supostamente vai até vidas passadas, o que, por óbvio, pressupõe a questionável existência de encarnações anteriores), a competência de um securitarista para operá-la ou qualquer outro desses assuntos inevitáveis e, por isso mesmo, um pouco chatos, pensar nisso também me deixou feliz.
Porque, de alguma forma, ali na minha cabecinha, a transposição daquilo que o Maurício tinha dito para o que eu estava vivendo - fosse ou não verdade - só poderia ter um significado.
Esse um significado era justamente o fato de que eu estava sendo capaz de enxergar o quanto era linda a cena do pôr-do-sol na estrada, conseguia ser grata pela paz que dava estar dirigindo ali, e tinha a certeza de que estava diante de beleza verdadeira.
E então não haveria como não ficar feliz, porque, ao constatar que eu era capaz de processar tanta beleza, eu vim para casa... me sentindo... cada vez mais... gata.