12.1.09

relativizando conceitos

Desde que eu cheguei aqui na Inglaterra, eu comecei a perceber com muita nitidez que certos conceitos simplesmente não estão certos, motivo pelo qual, creio eu que deveriam ser reformados. Ante a minha completa ausência de poder e autoridade para tanto, proponho a relativização.
Por exemplo. Aqui (no Brasil também, mas foco!) se diz bom dia quando se encontra a pessoa das 6h da manhã até o meio-dia, boa tarde entre meio-dia e seis da tarde, e boa noite a partir daí. Só que às 6h da manhã, no inverno, ainda não amanheceu, e às 6h da tarde, nesta estação, já é noite há muito tempo. E no verão amanhece antes e escurece depois disso. Não faz sentido algum.
Eu entendo que seja complicada a reforma. No entanto, ocorre é que eu fico num mato sem cachorro, porque a idéia de dia, como soma de manhã e tarde, deveria corresponder ao período de sol em cada um dos movimentos de rotação da Terra (sol por aqui é muito otimismo, “claridade” é mais condizente com o o que se observa empiricamente), só que não corresponde.
O sol tem nascido por volta das 8h30 e se põe às 16h. Isto me leva a, forçosamente, ter que relativizar estes conceitos.
Mas o que eu queria falar mesmo era aobre as idéias de perto e longe, porque estas andam muito capengas ultimamente.
Eu sei que, fisicamente, eu estou muito longe da maioria das pessoas que eu amo e com quem eu convivo.
Apesar disso, várias vezes, em diferentes dias e situações, acontecem coisas ou eu vejo coisas que fazem eu me sentir muito perto de quem eu deixei no Brasil.
Quando eu vi a estátua da Amy Winehouse no Madame Tussauds, eu lembrei da Má e da Lê na hora, e quis muito que elas estivessem aqui. Quando eu subi no London Eye, pensei no Neto, porque ele gostou de lá.
O resultado disso é que eu acabei relativizando também o conceito de saudade. Eu sinto falta de todos, obviamente, só que percebi, com notável clareza, que as pessoas que eu amo estão dentro de mim, me fazendo feliz mesmo à distância.
É lógico que eu queria ver, encontrar, sair e dar risadas. Mas tem outra coisa que eu entendi também que me ajuda neste ponto.
Num dos meus últimos dias em São Paulo, eu e a Má estávamos no Mc Donald’s de madrugada, e tocou aquela música dos Paralamas do Sucesso que fala “aonde quer que eu vá/ levo você no olhar”.
Na hora, a Má olhou para mim e falou que aquilo estava errado, porque a pessoa podia levar a outra no coração ou no pensamento, mas não no olhar.
E eu fiquei com isso na cabeça. Agora, do lado de cá do Atlântico, eu entendi que o Herbert Viana está certo. Vou me valer dos meus super conhecimentos de Psicologia adquiridos em um semestre da matéria na faculdade para tentar me fazer entender.
A nossa percepção dos fatos sofre certas influências, que alteram a maneira como a gente entende o que está acontecendo e, consequentemente, o modo como vamos memorizar aquilo. Estas interferências podem ser objetivas (do meio) ou subjetivas (da própria pessoa).
Um dos fatores subjetivos que alteram a percepção é a chamada “predisposição”, ou “experiência prévia”, que faz com que o ambiente seja visto através de um filtro de situações que a gente já viveu, distorcendo os fatos. E é por isso, acho, que toda vez que eu vejo criancinhas orientais por aqui, eu fico com vontade de correr para agarrar, achando que são as minhas.
Também por este motivo, ainda em São Paulo, eu vivia vendo Andrés, mesmo sabendo que ele está em Coimbra.
A predisposição é a responsável por aquele fenômeno em que, quando você está pensando numa pessoa, você a vê em todo lugar. E por causa dela faz sentido levar alguém no olhar.
No fim, acho que isso também esclarece porque eu “não” sinto saudade. Ao invés disso, eu alimento, a todo momento, a esperança de cruzar com os meus por aqui, mesmo que não sejam de verdade.

6.1.09

um post pela paz

Andei reparando que se trata de um fenômeno internacional: a paz é um tema muito em voga nestas épocas de ano novo. Todo mundo sai desejando, uns para os outros, e para o mundo.
Tendo em vista que eu parei com isso de falar de assuntos que envolvam o mundo todo, porque percebi que estão muito acima das minhas capacidades intelectuais e literárias, tentei então refletir no que poderia significar eu desejar paz para alguém, ou que alguém desejasse que eu ficasse em paz.
E não foi tão fácil quanto pode parecer a princípio. Porque vejam, a rigor, nenhum de nós está em guerra, pelo menos não no sentido original da palavra, de conflito armado. Ninguém acorda de manhã, lava o rosto, pega sua metralhadora e vai para o trabalho, escola, faculdade, cursinho. Então, literalmente não há de ser.
De outro lado, tem os conflitos “interiores” (por falta de melhor designação) pelos quais todos nós passamos, que podem ser simplisticamente resumidos na famosíssima frase do bom e velho Shakespeare “to be or not to be?”. O problema em se admitir que seja este o sentido da paz que a gente deseja para o outro é o seguinte: na maioria das vezes, estes dilemas acontecem em situações nas quais a gente tem que tomar uma decisão para botar a vida para funcionar.
É nessas horas que se fazem aquelas escolhas que vão nos tornar o que somos de verdade, que moldam o caráter e influenciam a personalidade e o relacionamento com os demais.
Se eu estiver certa nisso, parece uma grande bobagem desejar que a pessoa esteja sempre em paz, ou seja, que nunca tenha que enfrentar estes conflitos.
E o outro possível significado que eu consegui pensar foi que todo mundo trava relações sociais com as pessoas que estão ao seu redor, e elas nem sempre são pacíficas, por mais que você ame, adore e não consiga viver sem o outro. Dentro deste contexto, o desejo seria algo como “que você tenha uma convivência pacífica com os seus semelhantes em 2009".
Porém, a verdade é que os relacionamentos passam por fases, e quanto mais longos eles são, maior a probabilidade de enfrentarem situações difíceis e períodos conturbados, em que há muitas brigas e discordâncias; em que não se está em paz, para resumir. Mas isso é inevitável, e é estatística pura, de sorte que não há nada a se fazer a respeito.
Além disso... o mundo caindo, e o que você quer para a pessoa é que ela pare de brigar com a mãe? Really? Economia aos pedaços, um conflito bizarro em Gaza que eu nem entendi e o que você está desejando é que a namorada da pessoa pare de ter ciúme? Sério?
Por conta disso tudo, o resultado foi que eu fiquei sem entender, achando que a tal da paz não existe mesmo, por mais que doa desistir dela assim tão facilmente.
De todo modo, convém que eu ressalte aos caríssimos leitores: desejo que vocês não se envolvam em conflitos armados, desejo que os conflitos interiores pelos quais tenham de passar não vos assombrem, sendo, portanto, da exata medida das suas capacidades de resolvê-los, e desejo, por fim, que vocês não briguem com os seus mais do que o estritamente necessário, não só em 2009, mas em todos os anos.
Agora, desde que eu cheguei em Arlesey, que é onde eu estou no momento, eu tenho experimentado uma sensação que há muito eu não sentia durante tanto tempo e com tanta intensidade, sobre a qual vale a pena falar porque acho que é o mais perto que eu já cheguei de estar em paz.
Aqui, as casas parecem de brinquedo, e quando nevou parecia um daqueles globinhos de brinquedo que a gente vira para ver a neve caindo. Passo o dia conversando com a minha tia que eu não via há dois anos, e de quem eu sentia mais saudade do que é possível descrever, ainda que não soubesse disso. Tem também a Chloe, minha prima que tem 9 meses, parece uma boneca, não pára quieta um segundo, mas deixa meu coração quentinho quando sorri para mim. Aqui a comida é de verdade, e a televisão parece de mentira de tanto canal que tem.
Em suma, eu vivo uma vida de rainha e não tenho preocupação nenhuma. Todos os problemas parecem estar numa outra dimensão, para fora do globinho de neve que é esta vila onde eu me encontro.
E hoje a gente foi no supermercado. Fazia muito frio, fora e dentro. Foi uma hora e meia de tortura, porque eu já odeio supermercados normalmente, quando está um frio de congelar as pontas, então, eu tenho vontade de jogar uma granada naquilo!
Daí a gente terminou de fazer as compras e entrou no carro. Ali fazia 25°C, graças ao milagre da calefação, que fez com que todos os problemas sumissem.
À medida em que a gente estava voltando para casa, eu vim olhando os campos enormes cobertos da neve de ontem que o sol daqui não consegue derreter. Fiquei observando os bois de uma fazendinha no caminho, cujo dono tinha vestido com uns cobertores para que eles aguentassem o frio, pastarem na grama coberta de gelo.
Vi que ninguém dava a mínima para as temperaturas congelantes: tinha gente na rua, mães com seus filhos, crianças fazendo bolas de neve, trabalhadores apressados com narizes e copos de café fumegantes.
E tinha sol. Sim, na Inglaterra! Um raiozinho desse sol entrava dentro do carro e me esquentava (acho que quando você dá uma forcinha, ligando o aquecedor a 25°C, torna-se possível imaginar que o sol inglês, normalmente tão inútil, está de fato te aquecendo), ao mesmo tempo em que eu ouvia uma música boba qualquer no rádio.
Aquilo me deixou muito tranquila, eu fechei os olhos e curti respirando bem fundo... bem devagar... até que ouvi um choro... e foi aí que eu percebi: a sensação de paz vinha do fato de a Chloe estar dormindo.
Se pá, a paz não existe mesmo.