6.1.09

um post pela paz

Andei reparando que se trata de um fenômeno internacional: a paz é um tema muito em voga nestas épocas de ano novo. Todo mundo sai desejando, uns para os outros, e para o mundo.
Tendo em vista que eu parei com isso de falar de assuntos que envolvam o mundo todo, porque percebi que estão muito acima das minhas capacidades intelectuais e literárias, tentei então refletir no que poderia significar eu desejar paz para alguém, ou que alguém desejasse que eu ficasse em paz.
E não foi tão fácil quanto pode parecer a princípio. Porque vejam, a rigor, nenhum de nós está em guerra, pelo menos não no sentido original da palavra, de conflito armado. Ninguém acorda de manhã, lava o rosto, pega sua metralhadora e vai para o trabalho, escola, faculdade, cursinho. Então, literalmente não há de ser.
De outro lado, tem os conflitos “interiores” (por falta de melhor designação) pelos quais todos nós passamos, que podem ser simplisticamente resumidos na famosíssima frase do bom e velho Shakespeare “to be or not to be?”. O problema em se admitir que seja este o sentido da paz que a gente deseja para o outro é o seguinte: na maioria das vezes, estes dilemas acontecem em situações nas quais a gente tem que tomar uma decisão para botar a vida para funcionar.
É nessas horas que se fazem aquelas escolhas que vão nos tornar o que somos de verdade, que moldam o caráter e influenciam a personalidade e o relacionamento com os demais.
Se eu estiver certa nisso, parece uma grande bobagem desejar que a pessoa esteja sempre em paz, ou seja, que nunca tenha que enfrentar estes conflitos.
E o outro possível significado que eu consegui pensar foi que todo mundo trava relações sociais com as pessoas que estão ao seu redor, e elas nem sempre são pacíficas, por mais que você ame, adore e não consiga viver sem o outro. Dentro deste contexto, o desejo seria algo como “que você tenha uma convivência pacífica com os seus semelhantes em 2009".
Porém, a verdade é que os relacionamentos passam por fases, e quanto mais longos eles são, maior a probabilidade de enfrentarem situações difíceis e períodos conturbados, em que há muitas brigas e discordâncias; em que não se está em paz, para resumir. Mas isso é inevitável, e é estatística pura, de sorte que não há nada a se fazer a respeito.
Além disso... o mundo caindo, e o que você quer para a pessoa é que ela pare de brigar com a mãe? Really? Economia aos pedaços, um conflito bizarro em Gaza que eu nem entendi e o que você está desejando é que a namorada da pessoa pare de ter ciúme? Sério?
Por conta disso tudo, o resultado foi que eu fiquei sem entender, achando que a tal da paz não existe mesmo, por mais que doa desistir dela assim tão facilmente.
De todo modo, convém que eu ressalte aos caríssimos leitores: desejo que vocês não se envolvam em conflitos armados, desejo que os conflitos interiores pelos quais tenham de passar não vos assombrem, sendo, portanto, da exata medida das suas capacidades de resolvê-los, e desejo, por fim, que vocês não briguem com os seus mais do que o estritamente necessário, não só em 2009, mas em todos os anos.
Agora, desde que eu cheguei em Arlesey, que é onde eu estou no momento, eu tenho experimentado uma sensação que há muito eu não sentia durante tanto tempo e com tanta intensidade, sobre a qual vale a pena falar porque acho que é o mais perto que eu já cheguei de estar em paz.
Aqui, as casas parecem de brinquedo, e quando nevou parecia um daqueles globinhos de brinquedo que a gente vira para ver a neve caindo. Passo o dia conversando com a minha tia que eu não via há dois anos, e de quem eu sentia mais saudade do que é possível descrever, ainda que não soubesse disso. Tem também a Chloe, minha prima que tem 9 meses, parece uma boneca, não pára quieta um segundo, mas deixa meu coração quentinho quando sorri para mim. Aqui a comida é de verdade, e a televisão parece de mentira de tanto canal que tem.
Em suma, eu vivo uma vida de rainha e não tenho preocupação nenhuma. Todos os problemas parecem estar numa outra dimensão, para fora do globinho de neve que é esta vila onde eu me encontro.
E hoje a gente foi no supermercado. Fazia muito frio, fora e dentro. Foi uma hora e meia de tortura, porque eu já odeio supermercados normalmente, quando está um frio de congelar as pontas, então, eu tenho vontade de jogar uma granada naquilo!
Daí a gente terminou de fazer as compras e entrou no carro. Ali fazia 25°C, graças ao milagre da calefação, que fez com que todos os problemas sumissem.
À medida em que a gente estava voltando para casa, eu vim olhando os campos enormes cobertos da neve de ontem que o sol daqui não consegue derreter. Fiquei observando os bois de uma fazendinha no caminho, cujo dono tinha vestido com uns cobertores para que eles aguentassem o frio, pastarem na grama coberta de gelo.
Vi que ninguém dava a mínima para as temperaturas congelantes: tinha gente na rua, mães com seus filhos, crianças fazendo bolas de neve, trabalhadores apressados com narizes e copos de café fumegantes.
E tinha sol. Sim, na Inglaterra! Um raiozinho desse sol entrava dentro do carro e me esquentava (acho que quando você dá uma forcinha, ligando o aquecedor a 25°C, torna-se possível imaginar que o sol inglês, normalmente tão inútil, está de fato te aquecendo), ao mesmo tempo em que eu ouvia uma música boba qualquer no rádio.
Aquilo me deixou muito tranquila, eu fechei os olhos e curti respirando bem fundo... bem devagar... até que ouvi um choro... e foi aí que eu percebi: a sensação de paz vinha do fato de a Chloe estar dormindo.
Se pá, a paz não existe mesmo.

1 comment:

denisard said...

"Desejo que não te envolvas em conflitos armados, desejo que os conflitos interiores pelos quais tenhas de passar não te assombres, sendo, portanto, da exata medida das tuas capacidades de resolvê-los, e desejo, por fim, que tu não brigues com os teus mais do que o estritamente necessário, não só em 2009, mas em todos os anos."
=^D