9.11.09

pagando a dívida

Esse não é o meu primeiro blog e, durante um tempo, também não foi o único. Jà tive um antes e um que criei depois desse, mas só esse resistiu.
O primeiro eu fiz quando esse negócio ainda era super modernidade e o conceito de página pessoal era para os muito antenados. O template incluía flores brancas num fundo amarelo e uma foto bem grande... da Hello Kitty.
Em minha defesa, não fui eu que escolhi o background nem nada daquilo. Tudo quem fez foi uma amiga que hoje em dia nem amiga é mais. Assim, eu também não me opus, mas o crime, se houve, foi de omissão e não de ação.
Passados vários anos, para ser sincera, eu nem sei que fim o tal blog levou, não me lembro de sequer um post que eu tenha escrito lá e agora, tentando procurá-lo pelo nome, só posso imaginar que ele tenha ido para onde quer que os blogs cansados e inutilizados vão... cemitério, lixo eletrônico, não entendo muito bem da vida e morte das páginas de internet.
Depois, no final do ano passado, teve outro, por ocasião dessa última viagem que eu fiz com a Carol (cuja menção aqui é extremamente pertinente, na medida em que me dá a deixa para explicar que a dívida que eu estou pagando é justamente com ela, a quem eu prometi post novo após o projeto de mestrado - sim, também acho chique ter demanda por posts e mais chique ainda poder dizer "ai, agora não dá, quando der eu escrevo").
O nome era bom, a gente tinha boas histórias pra contar, o feedback estava sendo positivo e, mesmo assim, um dia, num acesso de raiva contra o mundo, eu o deletei da vida internética. As razões para isso foram simples, e duas: a primeira, era para ser um blog de nós duas, mas só eu tinha postado até aquele ponto. Já a segunda, crucial para o que eu estou querendo dizer, é que eu mesma quase nunca postava.
Naquela época, me incomodava muito essa idéia de ter um blog e nunca postar, porque eu achava muito frustrante visitar os dos outros e não ter atualizações, e não queria ser a responsável por fazer surgir esse tipo de sensação em terceiros.
Eis que, alguns meses depois, eu meio que me tornei precisamente o tipo de gentinha que eu criticava. O mais curioso é que, superada a intensidade característica de tudo o que é recente, eu já nem me considero assim tão ruim por conta disso.
Posso até não atualizar, mas está aqui, é meu para quando eu quiser. Pura segurança.
Pois bem. A tese e o projeto de mestrado passaram, e aí voltei eu a visitar os blogs que eu antes acompanhava e a ler os jornais de sempre. E grande foi a minha surpresa ao descobrir que um desses blogs meio que acabou.
Depois de três anos e meio de sentimentos intensos e de crises existenciais, nego me lança um último post que, para meu espanto, persiste já tem mais de dois meses, no qual se diz apenas que "tudo está no seu devido lugar".
E a pessoa também apagou todos os seus posts anteriores, talvez na ânsia de demonstrar o seu ponto de que de fato já não havia mais razão para escrever. Uma pena, tinha muita coisa boa lá, mas sabe como é... se está tudo no lugar certo, é fácil concordar que não há porque manter ali as recordações de tanta insegurança, solidão, cansaço, e aí se acaba apagando também a alegria e as boas novidades. O cara devia achar que era o preço a se pagar, com o que eu sou obrigada, em nome da coerência, a concordar.
Calma, calma. Não vos desespereis, porque no meu caso ainda não dá para fazer isso. Não há qualquer motivo específico, só acho que não dá.
De toda forma, sou da opinião de que, se está tudo tão certinho, tão ridiculamente acertado que permita largar para trás o registro daquilo que nego andou sentindo, era melhor apagar logo o blog duma vez. Por que manter um raio duma página que tem 3 linhas de conteúdo? De que forma isso a torna interessante para a própria pessoa ou para a internet?
Então vem a profecia: quando esse blog aqui for sumir, ninguém vai nem saber por onde. E, no futuro, com sorte as pessoas vão se referir a ele como uma lembrança esquisita, daquelas que a gente não tem certeza se aconteceu ou não, de tão perdida que vai ficando no passado.

Muahaha.

Por enquanto, porém, eu asseguro: podemos todos dormir tranquilos. Eu critico a falta de macheza nos outros, mas sou a primeira a reconhecer que também sou bem frutinha.

Ehehe.

2.10.09

em brancas nuvens

Pela primeira vez desde que eu criei este blog, passei um mês inteiro sem postar.
Percebi isso no dia 29 de setembro, quando ainda havia tempo. Porém, se tem uma habilidade na qual eu sou realmente boa é a de postergar as minhas tarefas até o limite do razoável. Não fiz dia 29, esqueci no dia 30, e setembro passou em brancas nuvens.
Na verdade, neste setembro choveu como eu nunca tinha visto chover em setembro. Nuvens nada brancas, tempo louco. Fez frio, fez calor, tempo úmido, tempo seco. E, como para mais detalhes sobre os fenômenos meteorológicos, o melhor é consultar o site do climatempo mesmo, paro por aqui.
Nos 14 primeiros dias do mês passado, eu só pensava em monografia. Hoje, eu não consigo nem lembrar dela sem me embrulhar o estômago.
Já os outros 16 dias eu passei tentando me readaptar à sociedade de massa em que vivemos. Antes, eu lia 2 jornais por dia, um monte de blogs, livro sempre na bolsa, assistia noticiários na tv e sempre tinha tempo para escrever.
Quando a monografia veio, eu me privei disso tudo, me isolei dessas coisas, e agora eu tenho preguiça de ler, impaciência pra assistir, e postar no twitter deixou minha escrita telegráfica.
E, no fim do dia... nada. Eu não me autoconheço melhor por isso, eu não fiz o trabalho como gostaria, não fiquei mais magra e ando perdendo cabelo.
Então, já quase no fim do mês, eu tive que escrever um texto para o yearbook da minha turma, o que me fez pensar naquilo que era realmente importante na minha vida, que não poderia deixar de constar do meu depoimento.
Percebi que tem várias coisas e diversas ordens de coisas. Umas são bastante claras: família, amigos, faculdade. Tem outras, menos evidentes, que não constaram, por falta de espaço ou adequação.
E uma destas é tipo este blog. Não o blog em si, porque obviamente as ideias aqui expressas poderiam ser escritas num caderno, sem prejuízo de qualquer ordem. Refiro-me, obviamente, aos seus leitores.
Não é populismo, eu juro. Não é demagogia, não vou me candidatar a nada, não estou vendendo nada, não quero elogios. Estou agradecendo.
Eu sei que eu nunca disse isso, mas é importante que pessoas parem o que estão fazendo para ler o que está escrito aqui. Não sei o impacto disso no mundo, mas para mim faz toda a diferença, mesmo que sejam 10 os leitores, e não mais do que isso. Isso me salva de ter que conviver sozinha comigo mesma, porque eu não conseguiria. Então obrigada.
Afinal, eu achei que pior do que não escrever nada durante um mês inteiro seria deixar passar em brancas nuvens o que é ter vocês na minha vida. Virtual, de blogueira. Mas ainda assim, vida. E minha. Obrigada.

13.8.09

sinos de vento

Estou inquieta nesta noite. Abri a janela para sentir o frio, porque descobri que o frio ajuda. Não é uma noite poética mas, por algum motivo, o som dos carros parece ondas, parece que eu estou na beira do mar.
É a única coisa que eu escuto, além dos sinos de vento de vários, sem dúvida vários apartamentos ao meu redor. Muitos sininhos, num tilintar gostoso.
E eu fiquei pensando, enquanto o vento gelava o meu braço e meu rosto, que é isso que os sinos de vento fazem: tocam quando venta.
Este é um post sobre regras. Não todas, porque são muitas e muito diversas em tipos, formas, poder de vinculação. Sobre algumas, apenas.
Estou morrendo de sede, e não tem água que baste. Eu queria Coca-Cola. E eu sei que tem na despensa, mas aqui em casa só se bebe refrigerante nos fins de semana. Assim, não é sede. É vontade de tomar Coca, uma coisa louca, mas nem por isso eu vou até a despensa abrir a garrafa que eu sei inclusive de cor onde está e resolver isso. Porque eu não posso.
Essa não é a mais boba das regras, porque durante os fins de semana, são dois litros de refrigerante por refeição. Fazendo as contas, quatro litros por dia, vinte e oito litros por semana. Minha mãe sabe que isso faz mal e que provavelmente eu já teria supersized me se eu tomasse tudo isso. Por isso ela instituiu que só aos fins de semana.
Obviamente, ela não contou com noites de quarta-feira em que a vontade fosse tão forte que eu não conseguisse dormir, mas também, convenhamos que não é isso que está me impedindo.
Existem outras regras, e muitas delas são sem sentido.
Mas tem umas... tipo essa, dos sinos de vento. Eles estão tocando... e isso não quer dizer absolutamente nada. Não quer dizer nada, além de "está ventando".

9.8.09

relatório

A nova estratégia de postagem sem longo procedimento prévio não está funcionando.
É o quarto post que eu escrevo. Os outros três eu apaguei.
Estou cheia de vontade de escrever e de idéias, mas os idiotas dos textos não andam tomando a forma que eu gostaria. Porque, como todos sabem, a gente começa a escrever e daí o bicho vai ganhando vida própria e quando a gente lê é sempre uma surpresa. Não era nada daquilo que se queria ter dito, e vai muito da sorte. Às vezes melhor, às vezes pior, na maioria das vezes, sai "satisfatório", como em "é, dá para publicar".
Hoje não. Saiu tudo ruim. Piegas, sem sentido, meio ridículo mesmo.
Se pá eu precisava viver um amor fracassado para ter inspiração. Andei lendo uns blogs de gente desiludida e, maluco, estão bem melhores que o meu. Anos-luz melhores.
Mas não tenho paciência para isso não, não agora. Estou cansada, e convenhamos que dá muito trabalho inventar um relacionamento só para depois deixar não dar certo e ter o que escrever.
Tem outra coisa: esses caras - dos blogs bons - têm eus-líricos (fiquei em dúvida, mas quase certeza que "nós-líricos" não está certo).
Os caras falam de "você". Do mal que "você" fez, e da falta que "você" faz. De como eles queriam saber o porquê de "você" ter ido embora, de ter feito o que fez. Do quanto "você" não entende. Quem, eu? Nem te conheço! Nunca te vi na vida, não sei do que você está falando, nunca te fiz nada! (onde "tu" seja o dono do blog.) Mas eles têm razão, porque eu realmente não entendo.
É por isso que não trabalhamos com eu-lírico. É muito fácil ser eu-lírico, um pouco mais foda é ser eu-mesma (não que ser eu seja mais difícil do que ser outra pessoa, acho que deu para pegar o ponto). Ainda assim, garanto que nunca houve mais ninguém escrevendo este blog além de eu-mesma. Todas as opiniões aqui - incluindo as preconceituosas, as revoltadinhas e as pseudo-intelectuais - sempre foram minhas mesmo.
Acho que isso de se esconder atrás do eu-lírico é que nem a história da Coca-Cola. Eu só gosto da normal. Se eu tomar a zero ou a light, fica muito fácil ser magra. Mentira, mas vamos por aí, porque as opiniões desonestas também sempre foram minhas.
Em todo caso, acho melhor dizer: na real, é que a Coca normal é muito mais gostosa, mesmo.
E... decidi publicar, mas quase quase eu apaguei esse também.

26.7.09

responsabilidade ambiental

Certo dia, há muito tempo, em outra era, eu fui visitar uma pessoa e ganhei uma muda de árvore. Algum daqueles projetos do tipo "cada um de nós, se plantarmos uma árvore pequena, podemos fazer a diferença" no aquecimento global, desmatamento, e todos esses assuntos que povoam a mente de quem tem essas falsas preocupações mas não reduz o tempo do banho nem separa o lixo.
E eu, que gosto de plantas, trouxe a muda para casa, toda contente. Fui mostrar para o meu avô japonês, que também gostava muito de plantas, pensando que aquilo poderia ser uma coisa boa para nós dois, a nossa planta, já que ele estava doente, e iria morrer em algum momento num futuro próximo, como de fato acabou acontecendo.
Fato foi que eu vim no caminho pensando que eu iria plantar aquela árvore, e ela iria crescer, e eu teria sempre alguma lembrança viva dele, porque, enfim, era uma muda cheia de perspectiva.
Quando eu cheguei - para os mais desavisados, ele morava no apartamento em cima do meu - fui correndo para a casa dele conversar sobre aquilo, munida da arvorezinha e de muitos planos.
E tomei uma bronca cabulosa. Uma coisa ridícula. Ele nunca brigava comigo, e eu estou exagerando ao dizer que foi uma super bronca, óbvio. Mas eu estava tão empolgada com aquilo, com tudo o que eu tinha planejado para aquele pedaço de verde lá, que o simples fato de ele não abraçar o projeto me deixou com a cara no chão.
O que ele me disse foi que eu não poderia ter aceitado aquela muda se eu não tinha como dar a ela condições para que ela se desenvolvesse e virasse a árvore que ela tinha que ser. Eu tentei argumentar, dizendo que ninguém que tinha recebido aqueles brindes estava pensando nisso, mas ele foi irrefutável em afirmar que eu tinha que ter pensado. Era de responsabilidade que ele estava falando.
Aquilo me marcou muito porque, embora eu pensasse que estava fazendo algo de bom para a planta, para o mundo, para o meu coração, ele me mostrou que era uma super bobagem. Ele viu que o que iria acontecer com certeza seria que eu ia deixar a planta na casa dele e ele iria cuidar, e depois quando ele não estivesse mais por aqui, eu ia me sentir totalmente legitimada para pegar a planta e deixá-la morrer sem o necessário cuidado na minha própria casa, onde, diga-se de passagem, ele plantou flores lindas por toda a sacada. É que eu realmente não cuido muito bem das minhas plantas.
Mas o ponto é que ele não precisava disso, dessa preocupação. E eu também vi que não preciso de nada assim para lembrar.
Agora, acho que o raciocínio se aplica também a este blog. Quando eu o criei, eu tinha muitas idéias, achava que tinha muito a dizer. No entanto, vi agora que fazia mais de um mês que eu não postava nada, a despeito de ter tido boas idéias neste meio tempo e de ter tido vontade de escrever. Por isso, escrevo agora - por que não dizê-lo? - por pura obrigação, para que este blog não seja abandonado, pelo menos não por mim, como a planta da história. Eu também achei que este seria um espaço livre, de livre manifestação dos meus pensamentos, mas acaba que as coisas não são bem assim.
Em tom de desabafo, devo dizer que acho que tem um pouco a ver com o meu método, porque eu escrevo no word, releio, passo para o blog, releio, publico, releio. Sempre tem errinhos, tenho que reler mil vezes. Isso dá muita preguiça. Outro dia, cheguei a abrir o word para escrever, mas desisti pensando no processo todo.
Então eu abandonei aquelas amarras e estou escrevendo assim, como se eu fosse boa mesmo nisso e não tivesse que ficar limando o texto. E vou tentar reler o mínimo possível. Até porque querer guardar estes textos, agora eu vejo, não faz sentido algum.
Para ser totalmente sincera, também escrevo porque fez dois anos que o Di morreu, e eu andei tão feliz nos últimos tempos que quem visse poderia pensar que eu não sinto a falta dele. Errado. Todos os dias eu penso que não posso esquecer certas coisas, como a história da árvore e tantas outras que, com o tempo, alguma sorte e um pouco menos de pieguice, eu espero poder contar.
E hoje eu dei uma passadinha ali na minha sacada. Vi que, mesmo no inverno, tudo ali floresceu.
E eu tenho certeza que foi por causa dele.

16.6.09

por inteiro

Hoje, voltando para casa, no metrô, tinha uma senhora gorda dormindo no banco à minha frente. Dormindo e babando, com a boca aberta, as sacolas balançando com o movimento do vagão.
E eu, cansada como estava do meu dia, de tudo o que eu tenho que pensar e resolver, olhei para ela e fiquei pensando que, ainda que descansar fosse tudo o que eu precisava, não dava para ser ali, no metrô. Não com as pernas escancaradas, bolsa largada na cadeira ao lado, sendo jogada para lá e para cá.
Impossível, porém, negar que admirei a capacidade da mulher de se entregar ao sono daquele jeito.
Isso me fez lembrar de um trecho do filme do Peter Pan em que o próprio, personagem principal, explica para a Wendy que as fadas são seres tão pequenininhos que nelas só cabe um sentimento de cada vez. E era por isso que a Sininho às vezes era tão raivosa e logo depois ficava tão doce e aí se sacudia inteira, estressada, para em seguida virar o paradigma do zen.
Eu, então, comparando a gorda enorme e babenta com a fada tão pequena e na moda, achei incrível que a primeira, toda ela, pudesse ser toda sono, da mesma forma que a segunda o seria, a ponto de dormir no metrô daquela maneira - como se nada mais importasse.
Ao lado disto, veio a constatação de que eu, embora menor do que uma e maior do que outra, nunca sou por inteiro uma coisa só. Não dá para eu me concentrar tanto numa emoção a ponto de esquecer do resto. Daí, refletindo a respeito, eu não consegui achar isso ruim, mesmo porque, embora eu não seja uma coisa só o tempo todo, certos sentimentos são constantes.
Tem gente que eu amo sempre, por mais que esteja com raiva. Tem coisas que eu odeio o tempo todo, ainda que às vezes eu tenha que fazer com um sorriso no rosto. E eu estou sempre chacoalhando o pé, mesmo que não saiba o porquê de estar agitada.
Mas, a despeito disto, e de eu já ter dormido em muito metrô por esse mundão afora (Carol que o diga, e provavelmente ela dirá), devo insistir neste que considero ser o ponto mais importante deste post: me deu muita inveja de todo aquele desprendimento!

2.6.09

sobre a teimosia

Hoje eu estava andando distraidamente debaixo da marquise de um prédio quando vi que havia uma poça d’água no chão. Olhei para cima e, neste exato instante, caiu do teto uma gota d’água justamente naquele acúmulo indesejado de líquido na calçada, explicando a sua existência.
Estando eu a alguns passos de distância de todo o fenômeno, decidi mudar o meu curso ligeiramente para a direita, tomando, porém, o cuidado de (i) manter o ritmo dos meus passos e (ii) observar o comportamento do complexo goteira-poça com a minha visão periférica.
Passei bem do ladinho da coisa toda, e nada aconteceu. Mas eu seria capaz de ir até o inferno afirmando que se eu não tivesse desviado, o raio da gota teria caído em mim.
Daí se tira uma importante lição: gotas d’água que caem de goteiras são entes dos mais traiçoeiros que existem. Assim, teimosia é não querer aceitar que, na grande divisão dicotômica maniqueísta do mundo, elas devem ser consideradas “do mal”, a despeito do nosso profundo pesar.

30.5.09

dividido em dois

1. agricultores luteranos
Hoje, depois de muito tempo alienada do mundo, eu sentei no sofá com a minha mãe para assistir o Jornal Nacional. Estava passando uma reportagem sobre uma colônia de alemães no interior de um daqueles estados do sul povoados de germânicos e gramíneas, a respeito de como a igreja luterana do local melhorava a vida dos camponeses.
Dentre os benefícios indiretos que a prática do luteranismo promovia por ali (por óbvio tomamos como benefício direto o acolhimento por um Deus um tantinho mais tolerante do que os que seguem o cara lá de Roma, após a chegada da “indesejada das gentes”), foram citados a integração entre os campônios, que se encontravam regularmente por conta do culto, e o aumento na produtividade agrícola por conta de uns cursos que são ministrados no templo.
Estes cursos ensinam técnicas de diversificação das culturas e de plantio livre do uso de agrotóxicos. Reflexos disto são, segundo a reportagem, a quase auto-suficiência dos agricultores em relação aos alimentos necessários à sua subsistência e, em segundo lugar, o aumento do valor de mercado dos produtos por eles cultivados.
No entanto, a matéria fazia questão de ressaltar, o excedente não é, no mais das vezes, exportado para grandes cidades, nem sequer vendido.
O que ocorre com maior frequência é que, depois do culto, cada família leva o que produziu a mais para a praça no centro da cidade, onde monta uma banquinha, e troca. Escambo mesmo.
Nessa altura, me veio à cabeça que esse povo tinha retroagido muito, até a época antes da utilização da moeda.
Só que, vendo como aquilo funcionava direitinho e todos pareciam estar muito felizes, eu acabei pensando que talvez a gente complique tudo mais do que o necessário mesmo e que nem sempre simplificar significa retroceder.
Então me deu vontade de escrever a segunda parte desse post.

2. Bem simplesinho
Me leva pra um lugar quente, porque está frio, mas não muito longe, porque meus pés estão doendo de tanto que eu andei o dia inteiro e para chegar até aqui.
Me abraça para eu não lembrar que o mundo está exigindo mais de mim do que eu posso dar, e ficar segura no esquecimento.
Me conta uma história engraçada que aconteceu com alguém que você conhece, ou de como as grandes cidades estão muito violentas, ou um babado cabuloso. Qualquer coisa, desde que eu não tenha que pensar e possa só te ouvir falar.
Daí, se você me der comida de vez em quando, eu não preciso mais de nada.

17.5.09

Conceição, tem visita pra você

Ontem peguei o metrô na Sé para ir buscar o meu notebook na assistência técnica, que fica na Av. Pedro Bueno, caminho para o aeroporto de Congonhas. Eu tinha que descer na estação Conceição, que é onde eu desci durante quase 20 anos da minha vida, quando eu morava ali pertinho.
Fui pensando que eu conhecia direitinho ali o lugar onde eu estava indo, que eu saberia qual a melhor saída e onde estaria o táxi que eu deveria tomar para ir até lá.
Justamente por isso, eu acho que me espantei tanto quando o trem passou pelo viaduto, de onde dá para ver a rua, logo depois da estação São Judas. Eu tinha esquecido que dava para ver a rua.
Fiquei surpresa quando percebi que fui saindo pelo lado esquerdo e encontrei grades nos painéis com as frases do Fernando Pessoa. Agora a Conceição não gosta mais que as pessoas se sentem nos jardinzinhos.
E a Conceição agora se preocupa com a acessibilidade das pessoas deficientes físicas, porque existe um elevador que as leva do nível da terra até a área de embarque.
Estava tudo diferente, mas não foi por isso que eu não reconheci nada direito e não sabia mais andar por aquelas ruas. Seria meio hipócrita fazer tais afirmações.
A verdade é que, por mais que eu gostasse - e eu gostava - de morar por ali e da vida que eu levava, eu esqueci das coisas de lá.
Das ruas, dos nomes das ruas, do cheiro, da velocidade que eu precisava andar para conseguir atravessar os três semáforos da avenida em seqüência de uma vez só, do restaurante no qual eu nunca comi porque não gostava do nome: “cara feia é fome”. Vai que eu entrasse lá, me empanturrasse de comida e continuasse feia para os padrões restaurantísticos?! Eu ficaria inconsolável para sempre.
Esqueci, simplesmente. Eu achei que aquelas memórias ficariam em mim para sempre, porque fariam parte de quem eu era.
Pelo visto, não faziam. Todas essas coisas que eu nunca me preocupei em gravar porque eu achei que eu nunca esqueceria, agora eu acho que nunca soube, só tinha na cabeça porque vivia todos os dias.
Além do mais, a fachada do prédio onde eu morava mudou, e eu fiquei sem saber se os moradores a reformaram porque eles também mudaram ou se foi para que os outros pensassem que eles são algo que não são na verdade.
Então eu vi que, do ponto de vista da Conceição, agora eu era visita. A gente acha que cria raízes, mas isso é só porque a idéia de que estamos soltos, sem nada que nos prenda a lugar nenhum, assusta muito.
Ser adulto assusta muito mesmo.

9.5.09

Dói um pouco perceber
que eu andei por tantos lugares,
tentei me reinventar de tantas formas,
li vários livros e assisti tanto quanto eu consegui sem cair no sono,

e, mesmo assim, estou aqui agora,
detentora dos mesmos medos,
desejando as mesmas coisas,
amando basicamente as mesmas pessoas,
com as mesmas esperanças,
e decepcionando um pouco os leitores deste blog que vêm aqui procurando respostas...

Porque ultimamente eu ando cheia de perguntas.

Mas a conclusão a que eu cheguei é que talvez, só talvez, não seja assim tão mau ser eu mesma... e eu até que gosto...

Ruim mesmo é esse pseudo-lirismo. Em breve, haverá um post melhor. Prometo.

15.4.09

das pequenas certezas

Dois meses atrás, eu estava na Itália e era uma pessoa cheia de certezas. Sabia, por exemplo, que eu não teria como escapar da gripe catastrófica que eu viera encubando, privando o meu organismo de alimentação adequada e submetendo-o a intensa atividade física (em sentindo amplo) todos os dias. Foi o que aconteceu.
Mas eu também podia afirmar que chegaria no Brasil e estaria quente. Estava mesmo. Na realidade, fazia tanto calor que eu sentia que era seguro sair de casa de vestido e sandália, ainda que eu tivesse que passar o dia todo fora e só voltar à noite, porque o vento que soprava às sete da noite seria um alívio e não um problema.
Eu sabia que teria um emprego para pagar as minhas contas e que voltaria a ter obrigações acadêmicas e sociais.
Com certeza este seria o meu último ano de faculdade (incluso no pacote tudo o que ela proporciona), o que me fazia firme na ideia de que eu ainda tinha um ano inteiro para respirar antes de encarar a realidade de ser bacharel e todo o resto.
Hoje, depois da exposição da comissão de formatura, eu tive certeza de que eu vou me formar. Não foi bom. Sentei na arcada com o meu livro e não consegui ler nem 3 páginas, pensando nisso.
A conclusão a que eu cheguei foi a de que a gente precisa de algumas certezas, das pequenas.
Porque hoje eu não me sinto mais segura para usar uma saia sem levar blusa e sem pôr meia. Não precisa ser nenhum gênio para saber que isso seria ridículo.
E eu estou gripada de novo, sem nenhuma explicação, sem ter contribuído proativamente para isso de forma alguma.
Descobri que só ter um trabalho não é suficiente para pagar as minhas contas e que, não importa quanto tempo eu passe em casa, minha mãe sempre quer que eu esteja aqui, e reclama da minha ausência.
Daí eu lembrei que eu e o Neto uma vez imaginamos um mundo no qual o vento seria um só, e sopraria sempre na mesma direção, digamos, de leste para oeste. Assim, minha tia da Inglaterra poderia me mandar um e-mail dizendo “hoje está ventando aqui. Prepare-se, daqui a dois dias, vista um chapéu ou prenda o seu cabelo antes de sair de casa. Beijos, tia”.
Assim, no dia que ventasse, as pessoas que tinham amigos no leste ou que assistiam as notícias sobre o tempo sairiam de casa de chapéu, ou com os cabelos presos em firmes coques, e se deleitariam com as roupas e penteados impróprios dos mais desavisados.
Também, todas as edificações teriam que ser reforçadas na sua face leste, e os problemas com a navegação seriam sensivelmente reduzidos.
Tudo hipotético, óbvio, porque chapéu saiu de moda há muito tempo e quase ninguém mais que navega ainda precisa do vento.
De toda sorte, acho que isso seriam certezas demais. Não precisamos de tantas.
Mas aquelas primeiras que eu descrevi me são absolutamente necessárias, até porque são as únicas possíveis, já que eu não tenho como garantir que eu vá ser uma profissional bem-sucedida, vá encontrar o meu chinelo velho e ser uma boa mãe.
E fica aqui o meu protesto por elas terem sido tiradas de mim, com o clima instável, o acúmulo injusto de despesas, a crescente demanda acadêmico-social e tudo o mais.
O que me sobrou hoje foi a certeza de que aquela prova de criminologia de amanhã não vai se responder sozinha e de que a festa de formatura, embora tristíssima, vai ter uma infra-estrutura arrasadora. No mais, só incógnitas e necessidade de terminar este post para estudar.

9.4.09

poeira no cérebro

Começou quando eu descia a rua de casa e, no modo aleatório das minhas músicas, tocou uma de que eu gosto muito.
Isso criou uma obsessão.
Eu cheguei em casa, liguei o teclado, pedi ajuda, procurei na internet. Decidi que ia conseguir tocar aquela música, não importava o quanto me custasse.
E, no meio do processo, eu comecei a experimentar os confusos sinais do cansaço mental, quando a pessoa erra frases que já estava conseguindo tocar perfeitamente e não é mais capaz de aprender coisa alguma.
A solução mais eficaz - dormir - não era opção naquele momento. É de obsessão que estamos falando.
A outra possibilidade era tocar uma música conhecida, para o cérebro relaxar. Então me veio Lua Branca, da Chiquinha Gonzaga, à cabeça.
Irritante é que, por mais que eu saiba tocar essa música, naquele estado, eu não lembrava das sequências. Não dava. Fui então procurar o livro que contém as partituras. Não achei.
Devia estar no armário junto com os demais livros que nós trouxemos do outro apartamento, há quase 3 anos, quando mudamos para cá, e que nunca desempacotamos.
Lá fui eu, enfrentar nuvens de poeira, a claustrofobia inerente ao conceito de “banheiro de empregada em apartamento da classe média”, o incômodo da lâmpada na cara e tudo o mais que ir até aquela despensa me proporciona, porque eu estava obcecada e precisava conseguir relaxar para depois conseguir tocar direito.
Abri a primeira caixa de livros. Nada. Abri a segunda. Livros que eu sei que minha mãe quereria. Separei para ela. Abri a terceira. Livros que eu tinha separado antes de me mudar, para ler assim que a gente desempacotasse tudo.
Odiei encontrar tudo aquilo, porque me fez lembrar de um tempo em que eu era a pessoa que achava que O Capital era leitura prioritária, que não tinha ideia de que ia acabar se perdendo em handouts para entregar, leituras da faculdade e livrinhos para se distrair.
Quando eu vi Anna Karenina, eu lembrei não só que eu já fui a menina que tinha tempo para ler sobre o vestido verde-bandeira-com-decote-generoso-que-insinuava-os-fartos-porém-formosos-seios-de-Ánuchka-e-babadinhos-de-renda-cuidadosamente-costurados-pela-irmã-caçula-da-protagonista, mas que também zombava internamente da pobre Anna, por acreditar que solidão como a dela não existia na idade que ela tinha.
E quando eu vi Sartre, eu lembrei da minha mãe dizendo que eu tinha que esperar a hora certa para lê-lo, senão eu ia odiar e ele “é legal”.
Pensar nisso tudo me fez ver o quanto eu tenho me escondido dos meus medos lendo e assistindo Crepúsculo para não ter que encarar que tem gente morrendo de fome, que ainda existem pessoas oprimidas em razão da cor, da raça, da forma como exercem a sua sexualidade.
Que eu tenho me afastado dos meus sentimentos, baixando uma infinidade de séries de comédia que me fazem dormir, para eu não ter que pensar que eu estou mais sozinha até do que a Anna Karenina, porque ela pelo menos tinha aquele filho meio viado dela lá, o Sergei, se não me engano. (Pode ser que ele não seja gay, e eu gravei assim por causa do nome. Eu prometo que isso não é um preconceito latente, é só o modo errado e esquisito como o meu cérebro funciona.)
Pode parecer Sartre me influenciando da maneira errada, mas eu juro que não é, porque eu mal comecei a ler.
É Sartre me influenciando do jeito certo, caindo em cima da minha escada mesmo quando eu não estava procurando por ele, como que para me dizer: é hora de ler Sartre.

(Para os mais desavisados, isso quer dizer “você é adulta, vai lá, encara, e para de choramingar!”)

19.3.09

Esta é uma daquelas circunstâncias...

Hoje eu entrei no metrô para ir para o trabalho, liguei minha música, abri meu livro e fui lendo. Quando eu estava chegando na estação Sé, que é onde eu desço, exatamente no momento que eu consideraria perfeito para parar de ler (de modo a que desse tempo de eu abrir a bolsa, guardar o livro, fechar a bolsa e sair graciosamente), o livro acabou.
Exatamente no momento.
E eu desci do metrô me sentindo especial, como se eu fosse personagem de um daqueles filmes que passam no natal em que coisas mágicas acontecem. Não estava triste, como eu sempre fico quando meus livros acabam, tinha saído elegantemente de dentro do trem como quem nasceu para fazer aquilo, e o livro acabou na hora certa.
Parecia que o universo tinha conspirado a meu favor, porque sabia que eu ia ficar assim felizinha com o timing perfeito.
Mas não durou muito. Eu lembrei daquele episódio de the Big Bang Theory em que a Penny pergunta para o Sheldon se ele quer alguma coisa do supermercado bem na hora que ele estava pensando que precisava mesmo fazer umas comprinhas, e daí ele fala, numa tradução livre, que “esta é uma daquelas circunstâncias que as pessoas que não estão familiarizadas com a lei dos grandes números chamariam de ‘coincidência’”.
Isso me fez pensar que, diante da enorme quantidade de pessoas que pegam o metrô de suas casas rumo aos seus trabalhos com um livro na bolsa, e contando também as pessoas que fazem o mesmo em ônibus, trens, fretados, bondes, táxis e tantos outros meios de transporte, o fato de o meu livro ter terminado bem na hora certa não foi conspiração do universo, não foi coincidência, foi estatística.
Além disso, pensei que outras pessoas que não eu deveriam estar terminando os livros nos momentos que considerariam exatos para parar de lê-los, porque, ao contrário de nós - afortunados do momento ideal - existia um número muito maior de outros que não estavam tendo a mesma “sorte” e tinham que ler algumas frases bem rapidinho para acabarem um parágrafo antes de descer, ou que saíam andando bobamente para poder finalizar o capítulo nas escadas rolantes.
Ficou claro, então, que, ao contrário do que eu tinha pensado inicialmente, aquele trem do metrô não era especial, nem eu sou especial, nem o livro em questão era especial (ainda que eu continue a achar que vale a pena lê-lo), quer se considere isoladamente cada um destes elementos, quer em algum conjunto.
Agora, depois do choque de realidade inicial, acho que posso afirmar com honestidade que estou bem com isso. Primeiro, porque não é natal e eu sempre odiei aqueles filmes.
Mas principalmente porque é meio idiota se sentir especial por conta de uma estatística.
Melhor deixar para se sentir assim quando se merecer de fato. Por exemplo, para os médicos, quando descobrissem a cura do câncer. Para os engenheiros, quando inventassem um meio de construir prédios que não destruísse o ecossistema dos morcegos. Ou, para mim, quando eu conseguir fizer alguma diferença, nem que seja em algo que eu acho chato, como a progressividade efetiva da tributação de renda.
Até lá, nada feito.
E, na boa, como é que ainda tem gente que não gosta de the Big Bang Theory?

17.3.09

justificativas

Eu sei que eu andei ausente. Talvez muito mais do que deveria, porque mesmo quem antes me cobrava para que eu escrevesse mais parece ter desencanado. Pode ser que eu tenha perdido o ponto ótimo dos pouquíssimos leitores que eu achava que tinha cativado. Sei lá.
Não estou falando isso para que venham comentários dizendo que não, estamos aqui, ainda te lemos etc. Estou falando para me justificar, como já fiz outras vezes antes, mas acho que agora é mais sério, porque foi mais tempo e sem a desculpa de estar viajando, de não ter internet e outras que eu andei dando um tanto quanto de má-fé.
A verdade é que eu não tenho escrito porque eu ando muito mais crítica comigo mesma. Eu sei que o auto-criticismo exagerado não vai dar em nada, assim como a história toda do blog não vai dar em nada, mas deixemos isso para lá e não sejamos tão niilistas.
Logicamente, eu continuei recolhendo pedacinhos de coisas que me tocassem e que eu achasse que valiam a pena dividir, mas só hoje, quando a Lê me fez ler o monte de coisas que ela me fez ler, é que me deu vontade de escrever de novo.
Então aqui estamos. Já desisti oficialmente das aulas de amanhã cedo e estou deixando a higiene pessoal de lado um pouco. Só um pouco, eu ainda sou meio obcecada com isso.
Mas chega de falar de mim. Vamos ao que interessa.
Hoje eu estava então lendo as coisas que a Lê me fez ler e a moça lá falava algo que na minha cabeça soou como “fidelidade é um jeito de estar junto quando se está longe”.
E eu fiquei realmente atordoada, porque é simples demais, e não só eu nunca tinha pensado nisso antes, como ninguém nunca tinha me explicado desse jeito. Mas faz todo o sentido.
Foi uma daquelas epifanias de que eu falei há muito tempo, quando o conceito passa a fazer sentido para mim.
Pensei que tem algumas pessoas de quem eu gosto tanto, mas tanto, mas tão louca e idiotamente, que eu quero ter comigo a todo tempo.
Obviamente, não dá.
Então eu sou fiel a elas, não traindo ideais revolucionários que a gente compartilhe, não ouvindo as músicas que elas odiariam, não lendo Capricho, não usando roupas que a gente já tenha combinado que são ridículas; e quando eu vejo algo de que elas gostariam, eu mando um scrap.
Com isso, na minha cabeça, eu as trago para mais perto de mim. Fico pensando que, mesmo se elas souberem de tudo o que eu faço (o que é virtualmente impossível porque eu faço uma quantidade bem razoável de coisas), elas ainda vão me amar porque eu não fiz nada de errado, e pensei nelas o tempo todo, para tudo.
Ow, e pode ser que eu esteja ficando velha, convencida, brega e cheia de manias, mas a paz que dá no coração é um negócio incrível!

18.2.09

O legado de Stella

Outro dia eu conheci aqui em Roma uma menina chamada Stella, ou Stela, ou Estela, eu não sei direito, mas acho Stella - com s mudo e dois éles mais a cara dela.À primeira vista, ela não parecia ser nada demais, e, para ser sincera, a minha análise também nunca passou disso. Antes de começar a falar mal, tenho que dizer que o fato de o nome dela significar "estrela" é sempre uma coisa boa.Agora, por mais que eu não goste de rotular, ela me pareceu aquele tipo de pessoa que não faz questão alguma de ser agradável, provavelmente por acreditar que a sua presença no recinto, por si só, já é benção maior do que poderiam desejar os reles mortais que com ela ali conviviam.
Durante o pouco tempo em que convivemos, só que ela fez foi identificar e apontar os pecados capitais cometidos pelos seus interlocutores, em situações como a seguinte: interlocutor: "estou muito sem grana, não ia pagar 16 euros para entrar nesse museu" - Stella: "avareza é um pecado capital, sabia?", o que me fez bastante certa de que eu não quereria jamais conviver com ela no país onde ambas nascemos.
Chegado este ponto, porém, a pergunta que provavelmente não quererá calar é: então por que escrever um post sobre a menina?E a resposta é a seguinte: Stella veio para comprovar uma idéia que eu já tenho há muito tempo, mas sobre a qual eu não tinha escrito ainda por falta de elementos para desenvolvê-la, qual seja, o fato de que cada um que a gente conhece nos modifica de alguma forma. Ou, traduzindo em frase de almofada da Imaginarium, "cada um que passa pela nossa vida deixa algo de si e leva algo de nós".
O que Stella me deixou foi a preconceituosa, mas nem por isso menos genial frase por ela proferida "se ema é bicho, emo é bicha", que eu guardei na memória e pretendo incorporar ao meu repertório quando a ocasião assim o permitir.
O que ela levou de mim, eu não sei. Se eu tivesse que chutar, eu diria: más impressões, por conta da ironia que regeu o meu comportamento no que diz respeito a ela durante toda a nossa interação.
Para uma resposta mais precisa, no entanto, conviria perguntá-la diretamente. Isto pode vir a ser um pouco complicado, uma vez que - dado o diminutíssimo interesse por ela despertado em mim - eu não fiquei com nenhum contato dela (orkut, facebook, msn, email, telefone... nada).No entanto, não deverá ser difícil reconhecê-la, caso cruzem com ela: morena de pele e de cabelo, olhos castanhos, estatura mediana, usa uma pequena pochete por debaixo das roupas e da pele, fala mole, vive no Rio de Janeiro, mas é de Três Pontas.
E aí, se alguém a vir, por favor aproveite para perguntar qual é a grafia correta do nome dela.

12.2.09

momentos-chave

Ontem à noite, antes de dormir, eu me peguei pensando no quanto a nossa vida é cheia de momentos-chave. Eu sei que pode parecer um discurso motivacional ("este é o momento-chave, a oportunidade que você não pode perder para ascender na carreira e ter a realização profissional com que sempre sonhou" blá blá), mas a minha idéia não é nem um pouco essa.
Para mim, um momento-chave é aquele no qual a pessoa se vê tendo de tomar uma decisão que afeta o curso da sua história, seja positiva ou negativamente.
É aquela situação em relação à qual, tempos depois, o indivíduo em dúvida vai repensar se fez a escolha certa, ou vai se questionar a respeito do que poderia ter acontecido - para melhor ou para pior - caso tivesse optado pela outra alternativa, já então descartada.
Ao fim, a pessoa acaba sempre decidindo que escolheu certo, mesmo que seja só para se consolar diante do erro óbvio, creio eu.
Mas como eu dia dizendo, ontem à noite, antes de dormir, eu percebi que existem muitos desses na vida. Por exemplo, eu ganhei dois brincos no natal, um dourado, da minha avó, e um prateado, da minha tia. E trouxe os dois na viagem.
Quando em cheguei em Luxemburgo, e já lá se vão algo como 4 semanas, percebi que eu tinha perdido a tarracha do meu brinco dourado, que a minha avó me deu.
Com certeza, aquela tarracha estava no trem, porque eu me lembro de ter entrado lá com ela. E eu dei uma procuradinha, mas acabei deixando de lado, porque eu queria conhecer a cidade e estava com um pouco de medo da coisa toda sair andando e eu acabar numa garagem de trens no meio do nada.
O que eu consegui com isso foi inviabilizar o uso daquele brinco, porque eu acabei por largá-lo no fundo da minha bolsa que, sujeita às mesmas intempéries que eu, molhou-se, nevou-se, secou-se e tudo o mais.
Daí o brinco estragou. Enferrujou uma parte e quebrou a outra. Dá, claro que dá para culpar a questionabilíssima qualidade do acessório, mas a verdade é que se eu - naquele trem em Luxemburgo - tivesse me dedicado mais a achar a tal tarracha, eu não teria estragado o brinco dourado que a minha avó me deu.
E eu sinto falta dele, porque, apesar de ordinário, ele era bonito... e, afinal, foi a minha avó que me deu. Então eu pensei que agora já não adiantava mais, que essa tarracha já teria sido varrida para um lixão ou estaria em Luxemburgo, quiçá na França, ou ainda em qualquer outro país por onde aquele um vagão daquele determinado trem pudesse estar passando e agora, mesmo se eu pudesse voltar lá - o que eu também não posso - seria impossível achá-la.
Cheguei à conclusão de que eu tomei a decisão errada naquele momento-chave.
E sim, era só da tarracha do brinco que eu queria falar o tempo todo.

12.1.09

relativizando conceitos

Desde que eu cheguei aqui na Inglaterra, eu comecei a perceber com muita nitidez que certos conceitos simplesmente não estão certos, motivo pelo qual, creio eu que deveriam ser reformados. Ante a minha completa ausência de poder e autoridade para tanto, proponho a relativização.
Por exemplo. Aqui (no Brasil também, mas foco!) se diz bom dia quando se encontra a pessoa das 6h da manhã até o meio-dia, boa tarde entre meio-dia e seis da tarde, e boa noite a partir daí. Só que às 6h da manhã, no inverno, ainda não amanheceu, e às 6h da tarde, nesta estação, já é noite há muito tempo. E no verão amanhece antes e escurece depois disso. Não faz sentido algum.
Eu entendo que seja complicada a reforma. No entanto, ocorre é que eu fico num mato sem cachorro, porque a idéia de dia, como soma de manhã e tarde, deveria corresponder ao período de sol em cada um dos movimentos de rotação da Terra (sol por aqui é muito otimismo, “claridade” é mais condizente com o o que se observa empiricamente), só que não corresponde.
O sol tem nascido por volta das 8h30 e se põe às 16h. Isto me leva a, forçosamente, ter que relativizar estes conceitos.
Mas o que eu queria falar mesmo era aobre as idéias de perto e longe, porque estas andam muito capengas ultimamente.
Eu sei que, fisicamente, eu estou muito longe da maioria das pessoas que eu amo e com quem eu convivo.
Apesar disso, várias vezes, em diferentes dias e situações, acontecem coisas ou eu vejo coisas que fazem eu me sentir muito perto de quem eu deixei no Brasil.
Quando eu vi a estátua da Amy Winehouse no Madame Tussauds, eu lembrei da Má e da Lê na hora, e quis muito que elas estivessem aqui. Quando eu subi no London Eye, pensei no Neto, porque ele gostou de lá.
O resultado disso é que eu acabei relativizando também o conceito de saudade. Eu sinto falta de todos, obviamente, só que percebi, com notável clareza, que as pessoas que eu amo estão dentro de mim, me fazendo feliz mesmo à distância.
É lógico que eu queria ver, encontrar, sair e dar risadas. Mas tem outra coisa que eu entendi também que me ajuda neste ponto.
Num dos meus últimos dias em São Paulo, eu e a Má estávamos no Mc Donald’s de madrugada, e tocou aquela música dos Paralamas do Sucesso que fala “aonde quer que eu vá/ levo você no olhar”.
Na hora, a Má olhou para mim e falou que aquilo estava errado, porque a pessoa podia levar a outra no coração ou no pensamento, mas não no olhar.
E eu fiquei com isso na cabeça. Agora, do lado de cá do Atlântico, eu entendi que o Herbert Viana está certo. Vou me valer dos meus super conhecimentos de Psicologia adquiridos em um semestre da matéria na faculdade para tentar me fazer entender.
A nossa percepção dos fatos sofre certas influências, que alteram a maneira como a gente entende o que está acontecendo e, consequentemente, o modo como vamos memorizar aquilo. Estas interferências podem ser objetivas (do meio) ou subjetivas (da própria pessoa).
Um dos fatores subjetivos que alteram a percepção é a chamada “predisposição”, ou “experiência prévia”, que faz com que o ambiente seja visto através de um filtro de situações que a gente já viveu, distorcendo os fatos. E é por isso, acho, que toda vez que eu vejo criancinhas orientais por aqui, eu fico com vontade de correr para agarrar, achando que são as minhas.
Também por este motivo, ainda em São Paulo, eu vivia vendo Andrés, mesmo sabendo que ele está em Coimbra.
A predisposição é a responsável por aquele fenômeno em que, quando você está pensando numa pessoa, você a vê em todo lugar. E por causa dela faz sentido levar alguém no olhar.
No fim, acho que isso também esclarece porque eu “não” sinto saudade. Ao invés disso, eu alimento, a todo momento, a esperança de cruzar com os meus por aqui, mesmo que não sejam de verdade.

6.1.09

um post pela paz

Andei reparando que se trata de um fenômeno internacional: a paz é um tema muito em voga nestas épocas de ano novo. Todo mundo sai desejando, uns para os outros, e para o mundo.
Tendo em vista que eu parei com isso de falar de assuntos que envolvam o mundo todo, porque percebi que estão muito acima das minhas capacidades intelectuais e literárias, tentei então refletir no que poderia significar eu desejar paz para alguém, ou que alguém desejasse que eu ficasse em paz.
E não foi tão fácil quanto pode parecer a princípio. Porque vejam, a rigor, nenhum de nós está em guerra, pelo menos não no sentido original da palavra, de conflito armado. Ninguém acorda de manhã, lava o rosto, pega sua metralhadora e vai para o trabalho, escola, faculdade, cursinho. Então, literalmente não há de ser.
De outro lado, tem os conflitos “interiores” (por falta de melhor designação) pelos quais todos nós passamos, que podem ser simplisticamente resumidos na famosíssima frase do bom e velho Shakespeare “to be or not to be?”. O problema em se admitir que seja este o sentido da paz que a gente deseja para o outro é o seguinte: na maioria das vezes, estes dilemas acontecem em situações nas quais a gente tem que tomar uma decisão para botar a vida para funcionar.
É nessas horas que se fazem aquelas escolhas que vão nos tornar o que somos de verdade, que moldam o caráter e influenciam a personalidade e o relacionamento com os demais.
Se eu estiver certa nisso, parece uma grande bobagem desejar que a pessoa esteja sempre em paz, ou seja, que nunca tenha que enfrentar estes conflitos.
E o outro possível significado que eu consegui pensar foi que todo mundo trava relações sociais com as pessoas que estão ao seu redor, e elas nem sempre são pacíficas, por mais que você ame, adore e não consiga viver sem o outro. Dentro deste contexto, o desejo seria algo como “que você tenha uma convivência pacífica com os seus semelhantes em 2009".
Porém, a verdade é que os relacionamentos passam por fases, e quanto mais longos eles são, maior a probabilidade de enfrentarem situações difíceis e períodos conturbados, em que há muitas brigas e discordâncias; em que não se está em paz, para resumir. Mas isso é inevitável, e é estatística pura, de sorte que não há nada a se fazer a respeito.
Além disso... o mundo caindo, e o que você quer para a pessoa é que ela pare de brigar com a mãe? Really? Economia aos pedaços, um conflito bizarro em Gaza que eu nem entendi e o que você está desejando é que a namorada da pessoa pare de ter ciúme? Sério?
Por conta disso tudo, o resultado foi que eu fiquei sem entender, achando que a tal da paz não existe mesmo, por mais que doa desistir dela assim tão facilmente.
De todo modo, convém que eu ressalte aos caríssimos leitores: desejo que vocês não se envolvam em conflitos armados, desejo que os conflitos interiores pelos quais tenham de passar não vos assombrem, sendo, portanto, da exata medida das suas capacidades de resolvê-los, e desejo, por fim, que vocês não briguem com os seus mais do que o estritamente necessário, não só em 2009, mas em todos os anos.
Agora, desde que eu cheguei em Arlesey, que é onde eu estou no momento, eu tenho experimentado uma sensação que há muito eu não sentia durante tanto tempo e com tanta intensidade, sobre a qual vale a pena falar porque acho que é o mais perto que eu já cheguei de estar em paz.
Aqui, as casas parecem de brinquedo, e quando nevou parecia um daqueles globinhos de brinquedo que a gente vira para ver a neve caindo. Passo o dia conversando com a minha tia que eu não via há dois anos, e de quem eu sentia mais saudade do que é possível descrever, ainda que não soubesse disso. Tem também a Chloe, minha prima que tem 9 meses, parece uma boneca, não pára quieta um segundo, mas deixa meu coração quentinho quando sorri para mim. Aqui a comida é de verdade, e a televisão parece de mentira de tanto canal que tem.
Em suma, eu vivo uma vida de rainha e não tenho preocupação nenhuma. Todos os problemas parecem estar numa outra dimensão, para fora do globinho de neve que é esta vila onde eu me encontro.
E hoje a gente foi no supermercado. Fazia muito frio, fora e dentro. Foi uma hora e meia de tortura, porque eu já odeio supermercados normalmente, quando está um frio de congelar as pontas, então, eu tenho vontade de jogar uma granada naquilo!
Daí a gente terminou de fazer as compras e entrou no carro. Ali fazia 25°C, graças ao milagre da calefação, que fez com que todos os problemas sumissem.
À medida em que a gente estava voltando para casa, eu vim olhando os campos enormes cobertos da neve de ontem que o sol daqui não consegue derreter. Fiquei observando os bois de uma fazendinha no caminho, cujo dono tinha vestido com uns cobertores para que eles aguentassem o frio, pastarem na grama coberta de gelo.
Vi que ninguém dava a mínima para as temperaturas congelantes: tinha gente na rua, mães com seus filhos, crianças fazendo bolas de neve, trabalhadores apressados com narizes e copos de café fumegantes.
E tinha sol. Sim, na Inglaterra! Um raiozinho desse sol entrava dentro do carro e me esquentava (acho que quando você dá uma forcinha, ligando o aquecedor a 25°C, torna-se possível imaginar que o sol inglês, normalmente tão inútil, está de fato te aquecendo), ao mesmo tempo em que eu ouvia uma música boba qualquer no rádio.
Aquilo me deixou muito tranquila, eu fechei os olhos e curti respirando bem fundo... bem devagar... até que ouvi um choro... e foi aí que eu percebi: a sensação de paz vinha do fato de a Chloe estar dormindo.
Se pá, a paz não existe mesmo.