9.4.09

poeira no cérebro

Começou quando eu descia a rua de casa e, no modo aleatório das minhas músicas, tocou uma de que eu gosto muito.
Isso criou uma obsessão.
Eu cheguei em casa, liguei o teclado, pedi ajuda, procurei na internet. Decidi que ia conseguir tocar aquela música, não importava o quanto me custasse.
E, no meio do processo, eu comecei a experimentar os confusos sinais do cansaço mental, quando a pessoa erra frases que já estava conseguindo tocar perfeitamente e não é mais capaz de aprender coisa alguma.
A solução mais eficaz - dormir - não era opção naquele momento. É de obsessão que estamos falando.
A outra possibilidade era tocar uma música conhecida, para o cérebro relaxar. Então me veio Lua Branca, da Chiquinha Gonzaga, à cabeça.
Irritante é que, por mais que eu saiba tocar essa música, naquele estado, eu não lembrava das sequências. Não dava. Fui então procurar o livro que contém as partituras. Não achei.
Devia estar no armário junto com os demais livros que nós trouxemos do outro apartamento, há quase 3 anos, quando mudamos para cá, e que nunca desempacotamos.
Lá fui eu, enfrentar nuvens de poeira, a claustrofobia inerente ao conceito de “banheiro de empregada em apartamento da classe média”, o incômodo da lâmpada na cara e tudo o mais que ir até aquela despensa me proporciona, porque eu estava obcecada e precisava conseguir relaxar para depois conseguir tocar direito.
Abri a primeira caixa de livros. Nada. Abri a segunda. Livros que eu sei que minha mãe quereria. Separei para ela. Abri a terceira. Livros que eu tinha separado antes de me mudar, para ler assim que a gente desempacotasse tudo.
Odiei encontrar tudo aquilo, porque me fez lembrar de um tempo em que eu era a pessoa que achava que O Capital era leitura prioritária, que não tinha ideia de que ia acabar se perdendo em handouts para entregar, leituras da faculdade e livrinhos para se distrair.
Quando eu vi Anna Karenina, eu lembrei não só que eu já fui a menina que tinha tempo para ler sobre o vestido verde-bandeira-com-decote-generoso-que-insinuava-os-fartos-porém-formosos-seios-de-Ánuchka-e-babadinhos-de-renda-cuidadosamente-costurados-pela-irmã-caçula-da-protagonista, mas que também zombava internamente da pobre Anna, por acreditar que solidão como a dela não existia na idade que ela tinha.
E quando eu vi Sartre, eu lembrei da minha mãe dizendo que eu tinha que esperar a hora certa para lê-lo, senão eu ia odiar e ele “é legal”.
Pensar nisso tudo me fez ver o quanto eu tenho me escondido dos meus medos lendo e assistindo Crepúsculo para não ter que encarar que tem gente morrendo de fome, que ainda existem pessoas oprimidas em razão da cor, da raça, da forma como exercem a sua sexualidade.
Que eu tenho me afastado dos meus sentimentos, baixando uma infinidade de séries de comédia que me fazem dormir, para eu não ter que pensar que eu estou mais sozinha até do que a Anna Karenina, porque ela pelo menos tinha aquele filho meio viado dela lá, o Sergei, se não me engano. (Pode ser que ele não seja gay, e eu gravei assim por causa do nome. Eu prometo que isso não é um preconceito latente, é só o modo errado e esquisito como o meu cérebro funciona.)
Pode parecer Sartre me influenciando da maneira errada, mas eu juro que não é, porque eu mal comecei a ler.
É Sartre me influenciando do jeito certo, caindo em cima da minha escada mesmo quando eu não estava procurando por ele, como que para me dizer: é hora de ler Sartre.

(Para os mais desavisados, isso quer dizer “você é adulta, vai lá, encara, e para de choramingar!”)

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