14.12.08

wish you were here

Escutei essa música do Pink Floyd ontem de madrugada e ela me fez refletir. Acho que a maior crítica que nela está inserida sutilmente, entre solos de guitarra e muito boa melodia, diz respeito ao fato de que existem pessoas que, hipocritamente, acham que sabem o que é melhor para as demais, mas estão enganadas. O mais triste da história é que eu acho que me incluo nesta categoria, por mais que doa admitir.
Vou dar um exemplo complicado, mas que eu creio que explica bem a situação. Outro dia, a Carol contabilizou 32 mendigos dormindo na frente da faculdade, de um dos lados do portão principal. 32!
Aquilo nos revoltou, e passamos algum tempo conversando sobre como aquela miséria humana ali, escancarada nas nossas vistas, nos incomodava, o que poderia ser feito para que se operasse alguma mudança.
Também, o fato de aqueles mendigos estarem lá e de eu me indignar tanto me fez lembrar daquele filme “eu sou a lenda”, do Will Smith. O filme tem boas cenas e boas sacadas, mas no geral eu achei meio ruim, porque eu não gosto de filmes de zumbis.
Depois de meses que eu já tinha assistido no cinema, lançaram o DVD, acompanhado de um final alternativo para a história.
No roteiro que foi às telas, Will Smith, após descobrir a cura para a mutação genética que transforma seres humanos saudáveis em humanóides primitivos dotados apenas dos seus instintos básicos, diz para a Alice Braga qual é a solução e se mata para que ela e o menino que ela carrega consigo como se dela fosse possam sobreviver e espalhar a boa nova.
Neste outro final, ele percebe que, na verdade, todo o empenho incessante que ele tinha despendido para achar uma cura para aquele mal refletia uma preocupação só dele, não dos zumbis. Do ponto de vista destes, Will Smith era o diferente, ele era “o monstro”, eles não queriam ser curados.
Não vou nem tentar me justificar por ter comparado zumbis a mendigos, porque eu sempre fui meio politicamente incorreta mesmo.
Porém, o ponto é: sabendo-se que, estatisticamente, está comprovado que boa parte dos moradores de rua sofrem de doenças como esquizofrenia ou alcoolismo, que alguns têm casa, família e tinham empregos, até que ponto não serei eu o Will Smith ignorante por querer tirá-los desta realidade, à qual, bem ou mal, eles estão adaptados?
Óbvio que eu não estou querendo dizer que aquilo é legal, que eles gostam de morar na rua, serem maltradados, não terem as mínimas condições de higiene, não saberem quando ou se vão comer de novo. Mas a verdade é que eu vi esta situação a partir da minha perspectiva de jovem branca da classe média e, para mim, submeter-me a estas condições seria inaceitável. Para eles, claramente, não é.
Então me parece que simplesmente mandá-los para um abrigo da prefeitura, ou conversar com eles fazendo discursos do tipo “você não precisa estar nessa situação”, “vá arranjar um emprego”, “sua vida pode melhorar muito”, sem que eu tenha condições de efetivamente assegurar que estas promessas tenham a mínima possibilidade de se tornarem realidade, é só hipocrisia.
É uma solução paliativa, que só atende à minha própria necessidade. É “tell heaven from hell”, só que ao contrário (tell hell from heaven) pois eu não sei do que eles precisam, sei apenas de que remédio analgésico a minha consciência precisa: não vê-los (assim).
E eu tenho a impressão de que a crítica a esta hipocrisia prossegue na música, e na minha vida, na medida em que o cara questiona se a pessoa trocaria algumas coisas por outras, sabendo que ela não trocaria, da mesma forma que eu.
Outro exemplo: eu realmente acredito que ninguém merece viver na rua, sem ter onde tomar banho, comer, satisfazer suas necessidades fisiológicas, dormir, e exercer a sua intimidade. (É, também não entendi qual foi a de saírem tantos eufemismos.)
Só que, na real, se me dissessem que tem um jeito, qual seja, eu assumir o lugar de um deles, sendo que este escolhido passaria a levar uma existência digna, eu não iria. Porque eu não estou preparada para trocar “cold comfort for change”. E assim, eu me penitencio, porque acredito que se alguns não têm o mínimo, todos os demais deveriam se mobilizar de todas as formas para que eles tivessem, mas não estou pronta. Não para esta mudança, pelo menos.
No fim da música, ele fala que queria que a pessoa para quem ele canta estivesse com ele, a despeito de ter reconhecido nela o enorme defeito que eu apontei acima, e sabendo que eles dois não passam de almas perdidas nadando dentro de um aquário, de modo que não vão chegar a lugar algum.
Mesmo assim (ou justamente por isso, na interpretação da Má), ele repete: “wish you were here”, levando-nos à conclusão de que as pessoas precisam umas das outras porque precisam, independentemente dos defeitos que possam ter, apenas pelo conforto que a presença delas é capaz de trazer.
De qualquer forma obrigada, Pink Floyd, por me querer.

(ficou um pouco Legião Urbana demais... definitivamente, eu não devo escrever sobre problemas sociais, nem de Pink Floyd, mas... são 3h da manhã, e o que eu faço com essa vontade de gritar?)

1 comment:

denisard said...

"as pessoas precisam umas das outras porque precisam, independentemente dos defeitos que possam ter, apenas pelo conforto que a presença delas é capaz de trazer."
POÉTICO! =)

[Desculpa por fazer apenas comentários fúteis ;)]