6.7.10

sinceríssimo

Dia 1.7.2010, 16h45. Estava eu lá na estação Sé do metrô, indo para a Faculdade fazer uma prova do mestrado, quando vi uma grande aglomeração, no centro da qual pude distinguir um corpo.
Se vivo ou morto, não sei dizer. A julgar pelo tanto de gente e caras horrorizadas, morto. Mas estava com o joelho dobrado, então acho que vivo.
Acho, porque na verdade - eu não assisti muitas aulas de medicina forense - o que eu pensei foi que a pessoa, quando morta, não deveria conseguir se manter nalguma posição diferente das que a gente assume quando dorme. Mas por óbvio esse raciocínio ignora o que os iniciados chamam de rigor cadavérico, por isso não tenho certeza. Vou, porém, prudentemente mudar de assunto antes que o post tome um rumo irrememediavelmente macabro.
Pois que então eu não sabia se vivo ou morto, e, pensando, melhor, acho que morto.
Policiais e seguranças do metrô em volta, dignamente distantes do homem caído, impedindo que os curiosos se aproximassem demais. Aliás, muitos, muitos curiosos - dentre os quais eu devo me incluir até porque, se não tivesse diminuído o ritmo com o qual eu pretendia alcançar meu rumo, não teria substrato para esse post. Ali, bem pertinho da vítima, uma moça comentava com a outra que tinha visto quando ele tinha tido o ataque cardíaco e caído no chão.
À medida que fui passando, um pouco mais para fora no círculo de gente eu vi que as pessoas conversavam sobre outros assuntos. Ignorantes sobre a eliminação da seleção na Copa, que só aconteceu no dia seguinte ao dos fatos narrados, rapazes comentavam entre si do jogo, um casal de senhores observava (da aglomeração) o tamanho da fila para recarregar o bilhete único.
Lembrei da música do João Bosco. Achei interessante como as pessoas faziam questão de estar perto ali do corpo estendido, mesmo que fosse para não prestar nenhuma atenção a ele, ou seja, ainda que ele não fosse o assunto das suas conversas nem o destinatário de quaisquer atitudes de respeito das suas partes ou ainda de qualquer providência que pudessem tomar para lhe oferecer alguma ajuda. Fiquei pensando comigo em que tipo de inconsciente coletivo seria esse que compeliria toda aquela gente a ficar ali ao lado de um desconhecido em apuros, sem falar com ele, sem desejar-lhe sorte na outra vida, e sem socorrê-lo.
Nessa hora, pensei que deveria eu tomar alguma atitude, ligar para algum serviço de socorro médico, resgate, SAMU, bombeiros. Repreendi aquelas pessoas e suas curiosidades mórbidas, essa mania que todos têm de querer ver a desgraça alheia, esse desrespeito com o ser humano ali no chão da estação, no meio de todos.
Quando liguei o celular, olhei o relógio. 16h49. Endireitei a cabeça e fui na direção da Sanfran. Porque por mais respeito que eu possa ter pela vida humana, o que eu não podia era chegar atrasada naquela prova.

1 comment:

Unknown said...

Gabi! li o seu recado no facebook, e venho aqui prestar parcos esclarecimentos: o rigor mortis é um enrijecimento da musculatura que, de fato, impede que os membros sejam deslocados de uma determinada posição. No entanto, os sinais só aparecem horas após a morte do indivíduo - o que provavelmente não aconteceu no caso. Sendo assim, arrisco dizer que o infarto foi tão importante e fulminante que a pessoa caiu no chão e ali desfaleceu, permanecendo com os joelhos fletidos para que sua queda ao chão fosse menos dolorosa. Em tom solene, me despeço e agradeço a confiança. Para demais serviços e esclarecimentos, conto com email, telefone, Orkut e Facebook.
Sem mais,
Tongo